No palco, uma Maria Bethânia gaúcha, no nosso melhor estilo bairrista,
conta sua trajetória insólita desde que saiu de Bagé indo
a pé à Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Na
plateia, o público disposto em mesas como em uma casa de shows, ouvia
e cantava os sucessos da MPB. Ela é simplesmente neta de uma mulher chamada
Bibiana; pelo riso do público, associada a uma das maiores personagens
da literatura gaúcha e brasileira. E assim começou no Ocidente,
dentro do Porto Verão Alegre, o musical de Antônio Carlos Falcão.
O ator aos poucos foi se soltando e dando vida a sua Bethânia. O cenário,
apesar de simples, imita o de um show, com plateia e músicos de verdade.
As comparações estapafúrdias da personagem mostram pontos
em comum entre as culturas baiana e gaúcha: o tradicional coco da Bahia
tem no chimarrão seu equivalente, assim como as agitadas noites baianas
e as tertúlias nativistas.A mistura do canto com o recitativo dá
ao espetáculo um ritmo ágil, que envolve e diverte o público
por boa parte do tempo. Frases de Freud e Eduardo Galeano são declamadas
costurando as cenas e emocionam pela sutileza de cada escolha.
Do chuveiro para o palco
Tudo começou em 1981, quando Falcão ainda cantava em casa, no
chuveiro, ou com um grupo de amigos e, despretensiosamente, por diversão,
imitava Maria Bethânia. Em mais um dia de cantoria, um diretor de teatro
achou a brincadeira do ator divertida e incentivou-o a fazer o mesmo no palco.
“Ele pegou uma peruca e colocou na minha cabeça e me disse: Faz!”,
revela o ator. Vinte anos depois, o espetáculo ganhava os teatros de
Porto Alegre. O começo foi tímido; primeiro à capela, Falcão
fazia a oração da “Mãe menininha” e um grupo
de bailarinos dançava a seu redor. Ney Lisboa gostou do que viu e, por
dois anos, o ator fez uma participação em seu show no papel de
“cantora convidada”. Em um evento que apresentou um documentário
sobre a cantora baiana, promovido pelo Santander Cultural, Falcão aparecia
ao final cantando caracterizado de Bethânia. “As pessoas achavam
que realmente era ela, mas depois entenderam que não era nada daquilo”,
recorda divertido. Hoje, já amadurecido, o musical, leva o público
do riso ao encantamento, à surpresa com a performance do artista que
consegue encarnar de maneira surpreendente a grande diva da MPB.
O vôo de Falcão
O ator e diretor Antônio Carlos Falcão conta que a personagem
foi criada para não cansar o público, que talvez não suportasse
uma hora inteira somente com imitações. “Resolvi criar uma
personagem para me distanciar dessa coisa da imitação pura e simplesmente”,
explica o diretor. O repertório do espetáculo “A doce bárbara”
é baseado no show de 1976 do grupo “Doces Bárbaros”
(idealizado por Bethânia, com Caetano Velloso, Gilberto Gil e Gal Costa,
em comemoração aos 10 anos de carreira solo dos cantores) e já
é apresentado há 8 anos. Apesar de não considerar sua voz
parecida com a da cantora, o também cantor Falcão reconhece que
em determinados momentos consegue timbre semelhante ao da irmã de Caetano
Velloso. “A Bethânia vem carregada de teatro, da tragédia.
Acho que fica mais fácil quando se tem uma pessoa tão singular
como ela”, comenta o diretor sobre a preparação da personagem.
A interpretação de músicas como “Atiraste uma pedra”
e “Convexo” mostram o talento do artista, que surpreende o público
também pelos trejeitos característicos de Maria Bethânia.
Fã da baiana, para Falcão não foi problema aprimorar seu
desempenho no palco. O ator a considera a maior intérprete brasileira
(em 2008, a cantora foi a primeira intérprete a ganhar o prêmio
Shell de Música, dado anteriormente somente a compositores) e, sempre
que pode, assiste a todos os seus espetáculos e entrevistas, lê
o que sai em revistas e tem todos os CDs. “Eu não queria fazer
nenhuma brincadeira que pudesse denegrir a imagem da Bethânia”,
confessa Falcão. Disciplinado, o diretor, ator e cantor cuida da voz
evitando locais com ar condicionado. Ele atribui às aulas de técnica
vocal com Marlene Goidanich a melhoria no seu desempenho. Acertadamente, as
músicas “Atiraste uma pedra e “Negue”, com impecável
interpretação de Falcão, não saem do repertório
de “A Doce Bárbara”. Outro ponto alto do musical é
a boa imitação de Chico Buarque, que leva o público às
gargalhadas. Tirando a inexplicável aparição de um Ney
Matogrosso que simplesmente `baixa` no palco e não contribui muito com
o espetáculo, o que se vê é uma hora de diversão
e boa música com direito a bis, mesmo sem patrocínio, aliás,
necessário a todo artista, gaúcho ou não.
Carlo Falcão começou a fazer teatro em 1978, em Porto Alegre,
tendo feito também cinema e comerciais de tv. Hoje, compõe e canta
as próprias canções. Além de “A doce bárbara”,
entre os espetáculos feitos ao longo de sua carreira, o destaque vai
para “Salão grená”, “Happy end”, “Entre
quatro paredes e o infantil “Pedro Malazarte”. Investindo agora
na carreira de músico, como cantor e compositor, Antônio Carlos
Falcão apresenta seu novo projeto “Aprendiz de feiticeiro”,
ainda sem data para lançamento.
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