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Feira do Livro

A Feira que se encheu e me encheu
Isabel Bonorino

Este ano completei 21 anos ininterruptos de idas à Feira do Livro e esse título eu já tinha pensado há algum tempo. “A Feira que se encheu e que me encheu” é um desabafo saudosista (por que não?) que quase foi parar na gaveta de novo. Sim, lembrar de como era e como está me incomoda.

Impossível alguém que acompanha a Feira desde criança não lembrar com um certo saudosismo da época em que se podia circular tranquilamente (e ainda com trema) por lá. Não importava dia, hora, inclusive fins de semana, dava para ir de banca em banca, sem levar cotoveladas, esbarrões, pisadas no pé e coisas do gênero. Recordo quando comecei a ir à Feira nos anos 80, quando não tinha nenhuma opção para a gurizada. Hoje, há espaço para crianças e adolescentes, com atividades condizentes. Acho que iria gostar de ser criança na Feira atual. Só que a solução foi satisfatória apenas em parte. Se por um lado, livrou os adultos da correria das turmas de escolas, por outro afastou os pais (dessas e de outras crianças), consumidores em potencial da Feira. Azar do livreiro! Sem muito tempo, quando os pais vão, levam os filhos para a área infantil e provavelmente deixam suas compras para fazer pelo site de alguma grande livraria.

Feira balão
A Feira mudou, cresceu, na verdade, inflou como um balão, e saiu da nossa mão e talvez da dos organizadores também. Mas esse balão finalmente começou a murchar. Ainda bem! É claro, a Feira precisava se modernizar, ampliar espaços, promover cultura, blablablá. Mas essa "decadência", que somente agora a grande imprensa resolveu noticiar, para mim começou em 2000 com a mudança do bar e eu reclamei. Agora a feira atrolhou, mas para quê?
Lembro dos anos 90, quando Sergius Gonzaga, no cursinho, dizia que íamos levar nossas pastas para passear na Feira e ficávamos furiosos, pois comprávamos muita coisa por lá. Porém, os números da edição 2009 comprovam que isso mudou e a fórmula do evento precisa mudar. Seja pela crise, pela chuva (que sempre foi tradicional nessa época), ou por razões ainda não especuladas, é preciso rever os objetivos do evento. Se estão sendo atingidos, ok, sigam em frente e em uma década a Feira se estenderá até o Gazômetro. Eu, fora.

No click do meu mouse é mais barato
Para quem quer passear, dar uma olhada nos últimos lançamentos e no que está acontecendo no pavilhão de autógrafos, ou participar de alguma das dezenas de atividades e, até mesmo, comprar UM livro, a Feira cumpriu seu papel. Mas e os livreiros e os leitores de plantão? Aqueles que, assim como eu, já em julho, agosto paravam de comprar os livros menos urgentes para aproveitar os descontos e novidades da Feira? Geralmente fazia minha lista de livros e de quebra saia com mais meia dúzia que nem estava no script. Isso também mudou há alguns anos: os descontos não são atraentes e os preços e títulos são quase iguais na maioria das bancas. Vale mais a pena ir no site da Saraiva e encontrar boas ofertas.

Saudosismo mode on
Este ano, comprei apenas um livro na Feira. Ano passado, não consegui comprar nenhum, pelo simples fato de não ter mais paciência de me aglomerar junto às bancas e lutar para conseguir a atenção dos vendedores, que na grande maioria não está nem aí para ti (e depois reclamam da queda das vendas..). E esse ano fiz mais: tive o desplante de ir aos sebos do centro para conseguir melhores preços e folhar meus livrinhos na santa paz. Lembro que uma época lia livros inteiros durante a Feira. Geralmente, os que eu não tinha tanto interesse em comprar; lia um pouco em cada banca, em cada dia. Se antes não era tão simples encontrar o mesmo livro em outras bancas da Feira, há anos os títulos se repetem enfadonhamente. A tentativa de empurrar os `Best Sellers` goela abaixo do leitor, deve ter dado certo até determinado ponto, mas agora não mais. As bancas perderam a identidade, assim como a Feira.

Alô, você, amigo.. ouvinte (?!)
Aliás, alguém poderia desenhar e explicar porque diabos tantas bancas de livros especializados? É preciso mesmo?? Assim como o grande e nobre espaço destinado aos veículos de comunicação. Rádios e televisões com programas ao vivo para quem quiser ver e ouvir. E quem não quiser, que vá embora, não tem outra opção.
Bons tempos aqueles, onde apenas a Rádio da Universidade ficava timidamente em um cantinho da Feira, transmitindo ao vivo, sem atrapalhar ninguém. Se bem que o aluguel que os grandes grupos pagam deve ser bem maior, né? 

E descansar onde? Muitos amigos e conhecidos deixaram de comprar ou, até mesmo, de ir à Feira, afinal o bar foi um dos primeiros a ser atingido pelas modificações do evento. não tem muito onde sentar e papear. Conversando informalmente com passantes, muitos disseram que encaravam a Feira apenas como um evento para `bater cartão`. O fato é que as pessoas vão para passear, não para comprar.

Sucesso de público, e daí?
A Feira que se encheu teve sucesso de público, mas amargou a queda das vendas, apesar da pesquisa que mostrou como tudo está legal e vai bem. Eles não compraram, mas foram às trocentas atividades do evento. Ok, se não compraram na Feira, um dia vão ter que comprar, ou pelo menos talvez leiam mais depois de tanto estímulo. Se o tipo de público não importa, tendo bastante movimento e gente saindo pelo ladrão basta para demonstrar o sucesso da iniciativa. O mesmo se repetiu no pavilhão de autógrafos, quando mais uma vez escritores consagrados dividiram a cena com escritores locais às vezes pouco ou nada conhecidos. E vemos aquelas filas enormes ao lado de outras com meia-dúzia de gatos pingados. Tem editor que já se deu conta sobre o constrangimento que é para seus autores situações desse tipo e já não lança mais nada na Feira, apesar de muitos não se importarem com esse detalhe. Mas a Feira se faz de detalhes e repensar cada metro quadrado, bem como cada ideia e atividade que deu ou não deu certo, talvez seja o caminho para fazer esse balão ficar na nossa mão e nos fazer feliz nas próximas edições da Feira.


13/11/2009

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Comentários:

Muito bom!!!!!! Graças a textos como este, muitas coisas já melhoraram na Feira de hoje em dia!
Jainara Martini, Canoas/RS 13/10/2014 - 15:03
Cara Isabel Eu também frequento (com ou sem trema - risos) a Feira do Livro faz tempo. Concordo e discordo de uns pontos que tu salientas neste teu bom artigo. Tu dizes: “Geralmente fazia minha lista de livros e de quebra saia com mais meia dúzia que nem estava no script.” Em resposta digo: Algumas crianças ainda fazem isso. Afirmas ainda: “... conseguir a atenção dos vendedores, que na grande maioria não está nem aí para ti (e depois reclamam da queda das vendas..)” Eu concordo plenamente. Nesta tu acertaste em cheio. Fico durante os 17 dias na Feira do Livro e vejo assim também. Os atendentes, sem experiência, ficam olhando outras coisas, menos oferecer um livro. Em relação aos meios de comunicação tu tens plena razão. Algumas rádios e jornais ficam empurrando títulos para a população. No entanto somente para aqueles autores que pertencem aos seus quadros de cronistas, locutores e especialistas em tantas outras coisas. Eu também digo que um grande número de pessoas vai á feira para passear. E, só para exemplificar, no ano de 2009 existiam tantas ofertas – que nada tinham com livros – que estas tomavam o espaço de quem queria realmente comprar. Quanto a fila de “gatos-pingados”, neste ponto é a maior discordância que tenho. Muitos autores pequenos têm seus “gatos-pingados”, mesmo sem mídia. Conheço alguns que, sem uma única notícia em jornal, colocaram mais “pingados” na fila que “consagrados”. Este mesmo ano estava no Pavilhão de Autógrafos e um grande escritor (muito sabem de quem falo) e poeta não tinha nenhum “gato-pingado”, quanto mais algum molhado. Mas, quanto ao “escritor desconhecido”, mesmo sem ter fama, ele tem o direito de escrever. Eu convivo com alguns deles e vejo seus olhinhos brilharem quando seu livro fica pronto. É um sonho. E ninguém pode tirar esta sua querença. Até porque alguns, hoje famosos, sofreram no esquecimento alguns anos. Digo isso porque, se eu lançar algum livro novamente, quero alguns “gatos-pingados” enchendo meu coração de alegria. Um abração com carinho Alcir Nicolau Pereira – site: www.alcirnicolau.com
Alcir Nicolau Pereira, Porto Alegre 01/02/2010 - 21:12
Caríssima Isabel, Que bom que eu te conheço. Que bom que tu escrevas com coragem. Eu como leitor queria ser mais, já foi melhor leitor. Já fui livreiro, ah que saudades. Um dia volto.... Como professor, como cidadão, como vereador de Porto Alegre, tendo ajudado a Feira em alguns momentos, especialmente em 2003 quando fui Secretário da Smic e acabei com algumas bagunças na Feira e no entorno, me sinto frustrado com o destino da Feira. A pergunta que sempre me fiz: por que tanto espaço para os meios de comunicação, se eles NUNCA ou QUASE NUNCA falam de literatura, de livros, de cultura? Que febre dá neles de só aparecerem na Feira? Já tinha publicado dois textos no meu blog, um do Prévidi e outro do Kiefer, agora vou tomar a liberdade de copiar o teu e publicar no meu blog: www.blogdoadeli.blogspot.com Abraços e sucesso, Adeli Sell 99335309
ADELI SELL, PORTO ALEGRE, RS 20/11/2009 - 19:12
Cara Isabel. Freqüento (com trema, ainda)a Feira desde a primeira, por ai calculas a minha antiguidade (sem trema, ainda pela regra antiga)e concordo plenamente com teu excelente texto. Sou aposentado e escrevo, aliás, só não imprimo meus livros porque a Gráfica é uma indústria pesada demais para minhas posses, o resto tudo faço. Pesquiso, crio,faço a capa, busco na Gráfica e entrego nas Livrarias (umas 60 em todo o Estado),fiscalizo e cobro o pouco do que é vendido. Não é uma queixa, apenas, costatação da vida de um humilde "escrivinhador", que ano pós ano, frustra-se com o desenrolar da "nossa" Feira do Livro de Porto Alegre. Não era para dizer, mas lá vai: antigamente era muito melhor; das bancas, do atendimento, do produto oferecimento e principalmente do Bar. Já senti a amarga dor de ler - o que gostaria de ter escrito - nas letras de outrem, agora digo o mesmo em relação ao teu texto. Resta-me somente afirmar coisa antiga que se dizia: assino em baixo. Um abraço fraterno, Roberto
Roberto Rossi Jung, Porto Alegre - RS 20/11/2009 - 15:27
Sou um pintor que sempre pintou na praça da alfândega, desde que ela não tinha sequer artesãos organizados. Concordo que a feira do livro deu um tiro no pé quando tentou ganhar cara de shopping, priorizando livros especializados e mais caros ( direito, por ex.)e oferecendo a aberração que é; dezenas de humanos extremamente manipuláveis "vendo" rádio por uma vitrine,com as mesmas baboseiras de todo dia, nenhuma notícia aproveitável, só opiniões,onde a regra é discordar para encher linguiça. As crianças ganharam com a feira do livro, mas a literatura perdeu seu público adulto. Encontros culturais são para alimentar idéias, gerar pensamento, mas como conversar, quando o outro está "vendo" um rádio que chama sua atenção para o importantíssimo fato do treinador não ter convocado aquele craque? TRISTE ?
selistre, Porto Alegre -RS 20/11/2009 - 14:55
Estou em Porto Alegre há 10 anos e temos que concordar, a Feira continua com um pensamento pré-internet e já não é atrativo. Falta espaço, mais tranquilidade e conforto para caminhar, folhear livros e conversar com amigos.
adreson, Porto Alegre 20/11/2009 - 12:28

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  Isabel Bonorino

Isabel Bonorino é jornalista, radialista e relações públicas. Musicista, dedicou-se ao canto lírico de 1995 a 2005, atuando como soprano nos corais da Ospa e PUC. Foi colaboradora da Revista Literária Blau e produtora/apresentadora na Rádio da Universidade, onde criou o programa "UFRGS em Canto". Atualmente é produtora e repórter da TV Assembléia.

isabel@artistasgauchos.com.br
twitter.com/ISAbonorino


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