Este ano completei 21 anos ininterruptos de idas à Feira do Livro e esse título eu já tinha pensado há algum tempo. “A Feira que se encheu e que me encheu” é um desabafo saudosista (por que não?) que quase foi parar na gaveta de novo. Sim, lembrar de como era e como está me incomoda.
Impossível alguém que acompanha a Feira desde criança não lembrar com um certo saudosismo da época em que se podia circular tranquilamente (e ainda com trema) por lá. Não importava dia, hora, inclusive fins de semana, dava para ir de banca em banca, sem levar cotoveladas, esbarrões, pisadas no pé e coisas do gênero. Recordo quando comecei a ir à Feira nos anos 80, quando não tinha nenhuma opção para a gurizada. Hoje, há espaço para crianças e adolescentes, com atividades condizentes. Acho que iria gostar de ser criança na Feira atual. Só que a solução foi satisfatória apenas em parte. Se por um lado, livrou os adultos da correria das turmas de escolas, por outro afastou os pais (dessas e de outras crianças), consumidores em potencial da Feira. Azar do livreiro! Sem muito tempo, quando os pais vão, levam os filhos para a área infantil e provavelmente deixam suas compras para fazer pelo site de alguma grande livraria.
Feira balão
A Feira mudou, cresceu, na verdade, inflou como um balão, e saiu da nossa mão e talvez da dos organizadores também. Mas esse balão finalmente começou a murchar. Ainda bem! É claro, a Feira precisava se modernizar, ampliar espaços, promover cultura, blablablá. Mas essa "decadência", que somente agora a grande imprensa resolveu noticiar, para mim começou em 2000 com a mudança do bar e eu reclamei. Agora a feira atrolhou, mas para quê?
Lembro dos anos 90, quando Sergius Gonzaga, no cursinho, dizia que íamos levar nossas pastas para passear na Feira e ficávamos furiosos, pois comprávamos muita coisa por lá. Porém, os números da edição 2009 comprovam que isso mudou e a fórmula do evento precisa mudar. Seja pela crise, pela chuva (que sempre foi tradicional nessa época), ou por razões ainda não especuladas, é preciso rever os objetivos do evento. Se estão sendo atingidos, ok, sigam em frente e em uma década a Feira se estenderá até o Gazômetro. Eu, fora.
No click do meu mouse é mais barato
Para quem quer passear, dar uma olhada nos últimos lançamentos e no que está acontecendo no pavilhão de autógrafos, ou participar de alguma das dezenas de atividades e, até mesmo, comprar UM livro, a Feira cumpriu seu papel. Mas e os livreiros e os leitores de plantão? Aqueles que, assim como eu, já em julho, agosto paravam de comprar os livros menos urgentes para aproveitar os descontos e novidades da Feira? Geralmente fazia minha lista de livros e de quebra saia com mais meia dúzia que nem estava no script. Isso também mudou há alguns anos: os descontos não são atraentes e os preços e títulos são quase iguais na maioria das bancas. Vale mais a pena ir no site da Saraiva e encontrar boas ofertas.
Saudosismo mode on
Este ano, comprei apenas um livro na Feira. Ano passado, não consegui comprar nenhum, pelo simples fato de não ter mais paciência de me aglomerar junto às bancas e lutar para conseguir a atenção dos vendedores, que na grande maioria não está nem aí para ti (e depois reclamam da queda das vendas..). E esse ano fiz mais: tive o desplante de ir aos sebos do centro para conseguir melhores preços e folhar meus livrinhos na santa paz. Lembro que uma época lia livros inteiros durante a Feira. Geralmente, os que eu não tinha tanto interesse em comprar; lia um pouco em cada banca, em cada dia. Se antes não era tão simples encontrar o mesmo livro em outras bancas da Feira, há anos os títulos se repetem enfadonhamente. A tentativa de empurrar os `Best Sellers` goela abaixo do leitor, deve ter dado certo até determinado ponto, mas agora não mais. As bancas perderam a identidade, assim como a Feira.
Alô, você, amigo.. ouvinte (?!)
Aliás, alguém poderia desenhar e explicar porque diabos tantas bancas de livros especializados? É preciso mesmo?? Assim como o grande e nobre espaço destinado aos veículos de comunicação. Rádios e televisões com programas ao vivo para quem quiser ver e ouvir. E quem não quiser, que vá embora, não tem outra opção.
Bons tempos aqueles, onde apenas a Rádio da Universidade ficava timidamente em um cantinho da Feira, transmitindo ao vivo, sem atrapalhar ninguém. Se bem que o aluguel que os grandes grupos pagam deve ser bem maior, né?
E descansar onde? Muitos amigos e conhecidos deixaram de comprar ou, até mesmo, de ir à Feira, afinal o bar foi um dos primeiros a ser atingido pelas modificações do evento. não tem muito onde sentar e papear. Conversando informalmente com passantes, muitos disseram que encaravam a Feira apenas como um evento para `bater cartão`. O fato é que as pessoas vão para passear, não para comprar.
Sucesso de público, e daí?
A Feira que se encheu teve sucesso de público, mas amargou a queda das vendas, apesar da pesquisa que mostrou como tudo está legal e vai bem. Eles não compraram, mas foram às trocentas atividades do evento. Ok, se não compraram na Feira, um dia vão ter que comprar, ou pelo menos talvez leiam mais depois de tanto estímulo. Se o tipo de público não importa, tendo bastante movimento e gente saindo pelo ladrão basta para demonstrar o sucesso da iniciativa. O mesmo se repetiu no pavilhão de autógrafos, quando mais uma vez escritores consagrados dividiram a cena com escritores locais às vezes pouco ou nada conhecidos. E vemos aquelas filas enormes ao lado de outras com meia-dúzia de gatos pingados. Tem editor que já se deu conta sobre o constrangimento que é para seus autores situações desse tipo e já não lança mais nada na Feira, apesar de muitos não se importarem com esse detalhe. Mas a Feira se faz de detalhes e repensar cada metro quadrado, bem como cada ideia e atividade que deu ou não deu certo, talvez seja o caminho para fazer esse balão ficar na nossa mão e nos fazer feliz nas próximas edições da Feira.
13/11/2009
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Comentários:
Muito bom!!!!!! Graças a textos como este, muitas coisas já melhoraram na Feira de hoje em dia! Jainara Martini, Canoas/RS13/10/2014 - 15:03
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