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Teatro

O Sobrado
Isabel Bonorino

Ao contrário do que esperava, não sobrou muito para falar sobre O sobrado. Eu poderia fazer um tweet recomendando que vejam, pois é maravilho e ponto. Aliás, acho que já fiz! Até porque muitas obras literárias se adaptam perfeitamente a roteiros e a alguns diretores, como neste caso. Tanto que, em pleno temporal que caía em Porto Alegre, em um sábado, nessas noites frias de julho, a sala do Memorial do Rio Grande do Sul se transformou num Sobrado lotado.

Na verdade, há muito a falar sobre o premiado* O Sobrado, não só por esse motivo, mas porque adoro Erico, desde os tempos de “As Aventuras do Avião Vermelho” e de “O Urso com Música na Barriga”. Lembro que li diversas vezes “Rosa Maria no Castelo Encantado”, mas depois, já adulta, a obra que fica na lembrança (quem sabe, de todos) é O Tempo e o Vento. Essa trilogia foi um dos livros que li e reli; algumas partes, muitas vezes, pois é daquele tipo que a gente não quer que acabe e no fim começa a ler devagarzinho, poupando até a última página. Como se não bastasse o livro, há também as lembranças da mini-serie, que muita gente viu.

 

 

Ou seja, suas personagens já nos são familiares, seja da literatura ou da televisão, ou dos dois; nós já as conhecemos. Assistir à montagem do Grupo Cerco de O Sobrado é como se reencontrássemos velhos conhecidos, velhos amigos, daqueles que passamos anos sem ver, mas continuam do mesmo jeito, com a mesma intimidade que tínhamos desde a última despedida.

 
Um certo Memorial do RS
Achei que teria pouco a falar, mas a peça é tão boa que dá vontade de falar um monte, mesmo que se tenha pouco a acrescentar. O roteiro de Inês Marocco é impecável, os diálogos são bastante fiéis aos capítulos escolhidos do original e a sensação é de saudade de toda aquela gente que povoa a obra de Erico e que conhecemos tão bem. (E se você não conhece, vá ao teatro ou leia a trilogia, pois não conhecer é imperdoável, pelo menos para mim.) O cenário não poderia ser mais adequado; uma sala do Memorial, onde até o espaço é a favor para recriar a atmosfera de um sobrado. (Tentem assistir nesse local, pois acredito que foi o que melhor acolheu a montagem.)
O grupo é coeso e, segundo conta a diretora Inês Marocco, todos contribuíram na adaptação do roteiro, na escolha das personagens, na construção da montagem. Todos em sintonia. O trabalho começou em 2008 e durou 9 meses, tendo sido elaborado pela diretora em conjunto com os atores, que em maioria são alunos ou ex-alunos do Instituto de Artes da UFRGS. A ideia era sair do palco, fazer um espetáculo que pudesse acontecer dentro de uma casa e comemorar o centenário do IA.

A leveza da alma feminina
Tudo começa em 1895, no 8º dia do cerco, quando o republicano Licurgo Cambará está sitiado com seus parentes e partidários no sobrado da família. Cercado pelas tropas federalistas, eles enfrentam a escassez de alimentos e de munição, o que leva as personagens à perturbação. E é isso o que vemos na peça: a fome e a sede de vingança, de amor, de paz. Erico sem tirar, nem por.
As soluções encontradas para modificar os cenários também foram perfeitas: mulheres em movimento. Tão marcantes em todo obra de Erico, na construção de Marocco, elas se transformam em vento, em cavalos e na memória das personagens. Todas as representações são fortes. Por uma porta central acontecem as passagens e marcações do cenário e de sentimentos. É por ali, que as mulheres entram em cena girando como dervixes, correndo com a leveza do vento, carregando e deixando o que tiver de ser carregado ou deixado. Funcionam também para embalar a memória; são como o narrador, que conta ao espectador o que está acontecendo e com o que está relacionado. Muita luz e sombra, panos que encobrem desejos, pensamentos, turbulência e a leveza da alma feminina; a turbulência que envolve o cerco ao Sobrado dos Terra Cambará. Bibiana e Maria Valéria conduzem a história, que pela tradição gaúcha, deveria ser conduzida pelos homens, mas não foi assim que Erico viu aquelas personagens e aquela família que remonta as origens do RS.

Buenas e me espalho..
Não se tem muito a questionar nesta peça, a não ser alguma quebra de roteiro ou a caracterização de uma ou outra personagem. Se a pesquisa de figurinos funcionou, faltou sujá-los, envelhecê-los, e redobrar os cuidados com a maquiagem, como por exemplo, a de Floriano (Anildo Michelotto). O pai de Maria Valéria convence pouco por não aparentar a idade que tem, coisa fácil de ser resolvida com peruca e maquiagem adequada, ou qualquer outro recurso para transformá-lo do jovem e limpinho Capitão Rodrigo a um velho Terra sitiado.
Interessante pensar que o ator, em geral, deve ser um tipo dos mais esquizofrênicos, que além de acreditar que é outra pessoa, também é capaz de convencer a plateia disso. Nesse sentido, destaque para Rita Maurício, que em muitos momentos conseguiu encarnar Bibiana.
A parte musical foi feita por atores do grupo que também são músicos e tem papel fundamental na peça, dando outro clima à montagem. Na percussão, Philipe Philippsen e Felipe Rossato, como peões e meninos (Bio e Rodrigo), que juntamente com o coro superafinado de mulheres deram leveza a O Sobrado.
Leveza essa que excedeu o andamento da peça, justamente na hora da história de Pedro Malasarte, contada aos mesmos meninos. E eis a quebra no ritmo do espetáculo. A excelente solução com o uso de sombras foi inadequada ao momento (a menos que a peça durasse umas 12 horas em vez de quase duas, outras inserções do tipo pudessem interromper dando outro andamento ao espetáculo). Ou seja, o momento não é de riso, é de apreensão e tristeza pelo cerco, pela morte de Aurora no ventre materno, pelos homens que também morreram e por todas as mulheres que aguentam quietas, pero no mucho, que o tempo passe e o vento traga dias melhores. E nós somos solidários a eles, não precisamos nem queremos rir, apenas ser cúmplices de uma história que com certeza vai continuar sendo contada.

Ficha Técnica
Texto: Erico Verissimo
Pesquisa histórica: Filipe Rossato e Philipe Philippsen
Adaptação e criação: Grupo Cerco
Direção: Inês Alcaraz Marocco
Assistência de direção: Isandria Fermiano, Kalisy Cabeda e Rodrigo Fiatt
Dramaturgia: Celso Zanini, Elisa Heidrich, Isandria Fermiano, Marina Kerber, Mirah Laline e Rodrigo Fiatt
Elenco: Anildo Michelotto, Celso Zanini, Elisa Heidrich, Filipe Rossato, Isandria Fermiano, Kalisy Cabeda, Luís Franke, Manoela Wunderlich, Marina Kerber, Martina Fröhlich, Mirah Laline, Philipe Philippsen, Rita Maurício e Rodrigo Fiatt
Cenário: Élcio Rossini
Figurino: Rô Cortinhas
Iluminação: Cláudia de Bem
Trilha sonora: Celso Zanini, Luís Franke, Martina Fröhlich e Philipe Philippsen
Produção: Adriana Som macal, Anildo Michelotto, Inês Alcaraz Marocco, Luís Franke, Manoela Wunderlich, Mirah Laline e Philipe Philippsen
Promoção: Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da UFRGS
Realização: Grupo Cerco
Duração: 1h40min
*Premiações
11 indicações ao Prêmio Açorianos de Teatro
4º Prêmio Braskem em Cena de Melhor Espetáculo pelo Júri Oficial
4º Prêmio Braskem em Cena de Melhor Espetáculo pelo Júri Popular
Prêmio Açorianos de Teatro de Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Dramaturgia
Troféu RBS Cultura de Melhor Espetáculo pelo Júri Popular

Serviço:
O quê: O Sobrado
Quando: de 8 de julho a 1º de agosto
Quintas sextas e sábados: 20h || domingos - 18h
Onde: Memorial do Rio Grande do Sul - Praça da Alfândega - Entrada pela porta lateral, na Av. Sepúlveda
Ingressos:
Ingressos antecipados na livraria Bamboletras (Rua General Lima e Silva, 776 - loja 03) e no dia, no local.
Quintas - R$20,00
Sextas, sábados e domingos – R$30,00
50% de desconto para estudantes, terceira idade e classe artística
25% de desconto para o clube do assinante ZH


28/07/2010

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Comentários:

Olá, Digníssima Dra. Isabel Bonorino!! "Doutora sim"... intelectual na arte de escrever...e escrever bem, na hora e local certo!!! Ótimo comentário da peça e obra "O Sobrado", e não poderia ser melhor para quem entende do assunto...de palco, de música, interpretação,figurino, enrredo e mais outros detalhes...sangue de artista nas veias! E melhor ainda... quando se tem Erico Verissimo na história! Parabéns! Saudosa Isabel Bonorino! Abraços e beijos Elaine Fraga
Elaine Fraga, Porto Alegre-RS 30/07/2010 - 11:58

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  Isabel Bonorino

Isabel Bonorino é jornalista, radialista e relações públicas. Musicista, dedicou-se ao canto lírico de 1995 a 2005, atuando como soprano nos corais da Ospa e PUC. Foi colaboradora da Revista Literária Blau e produtora/apresentadora na Rádio da Universidade, onde criou o programa "UFRGS em Canto". Atualmente é produtora e repórter da TV Assembléia.

isabel@artistasgauchos.com.br
twitter.com/ISAbonorino


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