Antes de dar início ao relato, quero esclarecer que não sou cachorreira. Amo cães, respeito-os na sua condição de animais; mantenho com eles um convívio afetivo quando encontro-os em casa de familiares e amigos. Mas não os tenho sob minha responsabilidade, dividindo o espaço do meu apartamento. Até porque acho (não me critiquem, por favor, é só uma opinião) que apartamento não é lugar adequado para cachorros.
Convivi com cães na infância. Havia um linguicinha de nome Lulu na casa da minha avó Rosa. E na minha casa, o Jolie era festa e turbulência o dia inteiro. Falavam que os animais da raça fox tinham disritmia. Eu não só acreditava na época, como ainda acredito. Mas parece que a raça foi extinta.
Jolie tem lugar especial nas minhas memórias. Nasci a caçula da casa, raspa do tacho depois de cinco irmãos. Com exceção de uma, os demais entre a adolescência e a idade adulta.
Costuma sobrar alguns compromissos infalíveis para os mais moços. Sobrou para mim, por exemplo, acompanhar minha mãe todas as quintas-feiras, pela manhã, nas feiras livres que aconteciam na nossa rua.
Nessa ocasião, a porta de casa deveria ficar totalmente cerrada, inclusive uma pequena portinhola com grades, no alto da porta à altura das mãos, e que era fechada com um trinco por dentro. Tínhamos o cuidado, eu e minha mãe, de verificar se o trinco da portinhola estava fechado, mais por causa do Jolie.
Saíamos então, eu e minha mãe, carregando sacolas em confiança, rumo à feira, na esquina da rua.
Só que, após nossa saída, alguém – sempre há alguém culpado nas histórias – saía e, não sei por qual razão, abria e não fechava a dita portinhola com o trinco.
Todos da casa conheciam o processo: Jolie se punha em alerta, se afastava um pouco para preparar uma primeira voadora e aí escancarava o vidro da pequena abertura. Dava uma segunda voadora e, comprimindo-se entre uma grade e outra, ganhava a rua.
Eu o avistava da esquina e me dava vontade chorar. Jolie corria atropelando as pessoas na feira; pulava para dentro dos sacos de batata, de feijão e de cebola. Abocanhava salames e toucinhos dispostos nas bancadas. Acuava para os feirantes com estardalhaço. Estes, preferiam a presença do diabo à presença daquele cachorro perturbador. Era imperioso levar o Jolie de volta pra casa. E esta façanha hercúlea cabia a mim.
Mulher madura, os filhos adultos, voltei outra vez ao convívio com cachorro. Convívio esporádico, uma vez que Balli, uma cadelinha de comportamento oposto ao do Jolie, pertencia a meu filho. Ficava sob meus cuidados quando meu filho viajava e nas férias, durante o veraneio na praia. Era dócil, carinhosa e muito tranquila.
Tanto o primeiro quanto a segunda, ao morrerem, deixaram um vazio. Escrevi um pequeno conto pautado na morte do delirante Jolie. E no momento aguardo a chegada de um novo livro infantil onde revivo passagens com a cadelinha Balli.
Viajei nas lembranças justamente para anunciar o meu novo livro que se encontra no prelo. Deve chegar em breve “Um garoto bom pra cachorro” – história que narra as aventuras de um garoto e os muitos cachorros – uma cachorrada – que o garoto tem a seus cuidados.
Balli é a única fêmea entre os quatro cachorrões machos. Mas não vai ficar a dever perante os machões.
E João Vítor, o menino protagonista, vai encantar não só os cães a seu cuidado, mas também os leitores.
E ensinar que tudo é possível alcançar, desde que haja amor, paciência e dedicação aos animais.
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