A ação de pensar é a primeira e única capacidade totalmente libertária do homem. A instância que o distingue do animal. Depois vem a expressão deste pensamento em palavras ou em gestos ou sinais, dirigidos ao seu semelhante, na busca de comunicação de toda ordem.
Infeliz o homem de quem foi tirado o direito de expressar livremente o pensamento através da palavra. Palavra falada, sussurrada, desarticulada, gesticulada, palavras bem ou mal ditas, impróprias, banais, bem ou mal pronunciadas, bem ou mal entendidas.
O pensamento e a expressão deste pensamento vem assegurando por séculos a vida do homem em sociedade. Isto é muito bom e talvez constitua aquilo que se entende por interação e salvação da espécie humana – a educação e formação da espécie pela palavra.
Só que, atualmente, estamos vivendo um momento de intensa comunicação verbal mal dirigida. O momento de um palavreado desenfreado, constante e insipiente, com o objetivo único de ser ouvido, visto ou reconhecido. Por quem? Por todos, indistintamente. Para tanto, concorre a tecnologia com as redes sociais e todos seus dispositivos móveis, onde todos falam simultaneamente e se curtem simultaneamente enquanto o entendimento, por mais simples e destituído de qualquer relevância que seja, foi para o espaço.
Nancy Huston, em seu livro intitulado “A espécie fabuladora”, apresenta estudo muito a propósito que investiga questões relevantes de como nos tornamos os fabuladores que somos hoje. E isto que sua obra é anterior ao boom das redes sociais.
Então, nós – os fabuladores – atuamos em todos os setores possíveis e improváveis. Não só nas redes sociais, mas igualmente na mídia, na imprensa falada e escrita e nos diferentes setores de comunicação, onde podemos encontrar o grande público que, pouco importa, se irá nos aplaudir ou rechaçar, se irá revelar o amor ou a aversão ao nosso palavreado.
Em menor escala, aliás, bem menor ou quase nula, está nossa atuação no meio familiar onde a preferência é pela anulação da palavra. O ambiente familiar não propicia a interação com o grande público e por tal motivo, nos parece ridículo e desinteressante falar e escutar.
É que esquecemos o poder que tem a palavra. O poder de orientar, entender, aceitar, dissuadir, proteger, explicar, refletir, justificar, transformar, construir e comprometer-se com o outro. Por isso a fabulação. Mais fantástica e salutar para o ego.
São os escritores, os ensaístas, os filósofos e os tantos outros estudiosos, os que constituem a grande massa que se compromete com a palavra. Assim como, para o cirurgião, o bisturi constitui o instrumento de trabalho que deve manejar com o máximo de segurança porque o objetivo é preservar a vida; a esses tantos cabe o uso da palavra como instrumento de trabalho com o máximo de propriedade, porque o objetivo é preservar a capacidade de pensar e de expressar o pensamento naquilo que é essencial à vida – sua formação como indivíduo.
O livro é, em síntese, o resultado da apropriação do poder que tem a palavra de elevar o homem para um patamar social, político e humanístico mais satisfatório.
Escritores conhecem muito bem este poder. Em razão deste conhecimento, escrevem.
Porém, o livro precisa chegar ao leitor na outra ponta do processo para que se efetive o poder da palavra na sociedade. E uma sociedade que faz uso indiscriminado das palavras de ordem que incitam o sujeito a conectar-se, curtir e compartilhar em tudo e de tudo, que valoriza o mundo digital, por si só, como a reinvenção da realidade, que pontua todo e qualquer procedimento na rede ou na imprensa ou na mídia, como autêntico e verdadeiro, continuará, ainda por muito tempo, desconhecendo o poder que tem a palavra.
Obrigada, Marcos, pelo comentário transcrito em palavras tão precisas e pertinentes. Sou uma entusiasta das redes sociais, defendo com unhas e dentes o espaço democrático que o Facebook oferece. Tenho muitos amigos virtuais e outros tantos amigos reais que se tornaram também virtuais. O que trato aqui é do exagero, este exagero que condeno em todas as instâncias, em que muitos estão vivendo o ambiente virtual em detrimento do mundo real. Tampouco defendo os escritores pelo simples fato de escreverem isto ou aquilo. Porém, são eles os profissionais da palavra. Ou deveriam ser. E se não cumprem com o devido rigor a otimização no uso da palavra, não são escritores no rigor do ofÃcio.
Jacira Fagundes, Porto Alegre 15/03/2017 - 22:26
Concordo, Jacira, que a questão comunicação/ser visto viralisou,todavia, muitas das pessoas que se comunicam de forma desordenada nas redes sociais nada mais buscam do que diversão, entretenimento e, para isso, não se exige uma lógica escrita. Tanto que vemos "escritores" que depositam suas falas ali sem revisão textual, desobrigados que se acham de tal cuidado. Se buscamos algo mais do que diversão, então devemos tomar o cuidado devido com as palavras escritas. Sou daqueles que se encontra nas redes sociais pela diversão e pelo contato com amizades novas e antigas, sem perder a oportunidade de dar uma palavra mais rebuscada, as vezes.
Marcos de Andrade, Passo Fundo/RS 15/03/2017 - 16:12
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