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Sobre a interpretação literária
Cássio Pantaleoni

Será que é possível interpretar corretamente um texto literário? Será que não existe uma interpretação “definitiva” sobre as representações dos escritores?
 
Seja você escritor profissional ou iniciante no ofício, a escolha das representações de uma ideia, sentido ou argumento está sempre associada ao encaminhamento que se pretende ao leitor. Escolhe-se sempre em função das intenções de fazer repercutir no leitor aquilo que se pretende. Mas como é possível que o leitor, alheio às minhas decisões de representar isto ou aquilo, alcance o sentido pretendido?
 
Ora, o escritor escreve. Naquela circunstância que culmina com a decisão de usar essa ou aquela palavra, essa ou aquela metáfora, essa ou aquela estrutura, vigora a sua intenção. A intenção dá-se de modo propriamente seu, propriamente coincidente com aquilo que pretende criar, aquilo que aprecia e aquilo de que o escritor dispõe, nem mais nem menos. O sentido que assim ele pretende representar é o que sobra depois que já se decidiu por abandonar todo o resto, seja pelo esquecimento de que outras estruturas já conhecidas pudessem servir ao seu propósito, seja pelo desconhecimento de outras alternativas de representação, seja pelo caráter autoritário de seu pensamento que decide mesmo por "deixar de fora" o que não colabora para a sua intenção.
 
De outro lado, o leitor lê. Naquela circunstância que culmina com a decisão de dar atenção a essa ou aquela palavra, a essa ou aquela metáfora, a essa ou aquela estrutura, vigora a sua intenção. A intenção dá-se assim de modo propriamente dele, propriamente coincidente com aquilo que ele cria enquanto lê, aquilo que ele aprecia e aquilo de que ele dispõe para interpretar o texto, nem mais nem menos. O sentido que assim ele captura é o que sobra depois que ele abandona todo o resto, seja pelo esquecimento de estruturas semelhantes já conhecidas, seja pelo seu desconhecimento das possibilidades de representação disponíveis na linguagem, seja pelo caráter autoritário de seu pensamento que decide mesmo por "deixar de fora" o que não se ajusta ao seu alcance interpretativo.
 
Isso que, em um e outro caso, fica "de fora" é uma região do sentido que circunscreve a intenção do escritor e a interpretação do leitor. Esse "de fora" não faz parte da "mancha" de sentido que concede ao escritor e ao leitor uma região mínima onde o que se quis dizer e o que se leu estão circunstancialmente próximos. O que fica “de fora” fica sempre distante, porém o que de alguma maneira alcança sentido, embora não necessariamente coincidente, perfaz a “mancha” de sentido, a região pela qual escritor e leitor promovem a abertura de compreensão de suas respectivas decisões de representação. Essa "mancha" de sentido é a "mancha possível", nem mais nem menos. É nessa mancha que reside a possibilidade do acordo que se dá entre a intenção do escritor e a interpretação do leitor. A interpretação é assim apenas o que pode ficar dentro e nunca o que ficou de fora.
 
O sentido pretendido pelo escritor nunca é uma singularidade. Toda a tentativa de precisão do dizer é apenas tentativa, uma “mancha” de sentido que, para o leitor, será recebida a partir de sua própria “mancha” de sentido. O fato de que estas duas manchas duelem entre si na circunstância em que o leitor se depara com o texto na busca de seu verdadeiro sentido impõe admitir que o sentido é sempre em si mesmo uma pluralidade. Porém mesmo nessa pluralidade, a “mancha” que a determina como limite de interpretações possíveis é única, é singular. É essa singularidade da ”mancha” resultante das “manchas de sentido” causadas pelo escritor e o leitor que concede ao texto literário o consenso interpretativo.
 
A interpretação equivocada de um texto literário é aquela que se afasta da mancha e se deixa distrair com aquilo que “fica de fora” das decisões do escritor e do leitor. Ou seja, há, sim, em cada texto literário, uma região de sentido que permite afirmar que certa interpretação faz sentido. Nesse sentido, como diria o físico Werner Karl Heisenberg, o criador do Princípio da Incerteza, “As ideias não são responsáveis pelo que os homens fazem delas”.

09/10/2017

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  Cássio Pantaleoni

Cássio Pantaleoni nasceu em agosto de 1963, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Escritor, Mestre em Filosofia pela PUCRS e profissional da área de Tecnologia da Informação. Vencedor do II Premio Guavira de Literatura, na categoria conto, em 2013, com o livro “A sede das pedras”; finalista do Jabuti de 2015 com a novela infanto-juvenil “O segredo do meu irmão”. Segundo lugar na 21a. Edição do Concurso de Contos Paulo Leminski; duas vezes finalista no Concurso de Contos Machado de Assis, do SESC/DF; duas vezes finalista no Premio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Desenvolve workshops sobre leitura, técnicas de escrita ficcional e filosofia aplicada à literatura. Obras Publicadas: “De vagar o sempre” – Contos – 2015, “O segredo do meu irmão” – Novela infantojuvenil – 2014, “A corda que acorda” – Infantil – 2014, “A sede das pedras” – Contos – 2012, “Histórias para quem gosta de contar histórias” – Contos – 2010, “Ninguém disse que era assim” – Novela – 2006, “Os despertos” – Novela – 2000.

cassio@8inverso.com.br
www.sextadepalavras.blogspot.com
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