O livro “Tamburilando Canções – Violão Com Voz”, do compositor, violonista, cantor, educador musical e ensaísta Felipe Azevedo, condensa um dos estudos mais instigantes já realizados no âmbito da canção brasileira. Complementada por um CD e um hotsite interativo, a obra sistematiza a investigação empreendida pelo autor e o processo de criação das 13 canções incluídas no disco. Além de um ensaio crítico e a análise das composições, o livro inclui as letras e as partituras completas de todas as faixas do CD.
Resultado de uma bolsa de estímulo à criação artística da Fundação Nacional de Artes (Funarte-RJ) é trabalho de teor acadêmico e linguagem acessível. Sejam os leitores músicos profissionais ou diletantes, ouvintes iniciados nos mistérios da música ou apaixonados à primeira audição, encontrarão no livro conteúdo suficiente para saciar sua gula pelo entendimento do tão debatido violão brasileiro.
A principal contribuição do músico se concentra na idéia do formato “violão com voz”, em oposição ao habitual “voz e violão”. Observando os diferentes papéis assumidos pelo instrumento ao longo da história da música popular brasileira, Felipe dá ênfase à influência dos músicos negros, que adaptaram técnicas de instrumentos de origem africana aos oriundos da península ibérica, socialmente aceitos. Incorporando uma síntese melódico-harmônico-rítmica, o violão brasileiro teria deixado de ser mero acompanhamento, passando a interagir dinamicamente com a voz. Testando os limites desse diálogo, para que o amálgama do seu canto com o violão fosse o mais orgânico possível, o compositor embrenhou-se no cipoal criativo de arranjar e rearranjar as composições, burilando o tamborilar das cordas brasileiras.
Elo entre a abstração das averiguações teóricas e a materialização das canções apresentadas no CD, o capítulo dedicado às análises deixa claro que, nessas composições, nada foi feito à toa. Para garantir o distanciamento necessário ao estudo da sua própria criação, Felipe se vale de conceitos e categorias criadas por outros pesquisadores: o ponto de vista semiótico de Luiz Tatit, a abordagem audiotextual do francês Michel Chion e a investigação prosódica de Fernando Mattos.
O autor ainda propõe ao leitor/ouvinte uma nova escuta – ao mesmo tempo profunda e dilatada – que, como o Aleph de Jorge Luis Borges, tem o poder de revelar imensidões. A polifonia resultante dos diálogos do violão com a voz engendra texturas sobrepostas que, como espirais tramadas, emprestam à canção profundidade, dando enfim à escuta a sensação de 3D. Ouvir o conjunto de todos os elementos sonoros e cada um deles – tal é o desafio. Cabe ainda lembrar que, da mesma forma que agora é proposto ao público, foi esse posicionamento diante de seu objeto de criação o que permitiu que as canções de Felipe alcançassem tão alto grau de síntese e complexidade.
A publicação de “Tamburilando Canções –Violão Com Voz” (livro, CD e hotsite) confirma o êxito da escalada empreendida por Felipe Azevedo. Contudo, o artista certamente descobrirá novas altitudes por atingir – ou, quem sabe, se depare com o desafio de vencer grandes distâncias, caso sejam feitas de planuras as paisagens sonoras que se desenrolem ao pé do ouvido desse incansável cancionista.
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