A conexão entre o audiovisual e a literatura está presente no Brasil desde 1916, quando a obra O Guarani (1857), de José de Alencar, foi adaptada para o cinema mudo por Giovanni Sanzio. Desde então, muitos livros brasileiros foram adaptados para o cinema e a TV. Alguns filmes, inclusive, ficaram mais famosas do que a própria obra original.
A riqueza da literatura brasileira e a genialidade de nossos escritores carregam elementos que o próprio cinema não pode adaptar: a sensibilidade das palavras, o toque sutil do escritor dentro da história. Porém, no audiovisual, ganhamos outros elementos – principalmente a imagem e o som, que podem trazer mais vida para a narrativa e ajudar o telespectador a “ver” uma história que ele teria que imaginar ao ler o livro.
Entretanto, as adaptações ajudam a difundir e popularizar uma obra, além de torná-la mais acessÃvel. Dito isso, vamos agora conferir as mais marcantes adaptações de obras brasileiras para o cinema e a TV.
O Auto da Compadecida – Ariano Suassuna
A obra, escrita em 1955 para o teatro, ganhou adaptações tanto para a TV quanto para o cinema. No entanto, o que marcou mesmo foi o filme. Quem não se lembra dos personagens Chicó e João Grilo, interpretados por Selton Mello e Matheus Nachtergaele?
Uma mescla elementos da cultura nordestina com crÃtica social, religião e muito humor. Possui diálogos rápidos, inteligentes e personagens arquétipos. Além disso, Ariano Suassuna foi genial ao mesclar a Literatura de Cordel com o teatro medieval europeu, evidenciando, através do humor, preconceitos de classe e da própria religião.
Em 1999, veio a primeira adaptação para a TV, com a Rede Globo, em uma minissérie dirigida por Guel Arraes. O sucesso foi tão grande que, no ano seguinte, com o mesmo diretor e praticamente o mesmo elenco, foi lançado o filme O Auto da Compadecida.
Rapidamente, a obra se difundiu e virou sucesso, tornando-se uma das produções brasileiras mais assistidas no Brasil e no mundo, recebendo diversos prêmios nacionais e internacionais.
O Auto da Compadecida é uma obra que atravessa o tempo e está marcada na história da cultura brasileira, refletindo que uma boa história bem contada se reinventa em qualquer formato: na TV, no cinema e no teatro.
Cidade de Deus – Paulo Lins
Adaptado para o cinema por Fernando Meirelles, Cidade de Deus recebeu quatro indicações ao Oscar em 2004 (melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor fotografia). Paulo Lins escreveu a partir de experiências pessoais e estudos sociológicos sobre a Cidade de Deus.
A história do livro não tem um único protagonista, mas sim três principais – Inferninho, Pardalzinho e Zé Miúdo. O livro aborda a história desses três e de outros personagens ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, narrando a evolução da favela e do crime organizado.
A adaptação para o cinema teve um grande desafio e escolheu ter um foco narrativo: o personagem Buscapé, que no livro é apenas mencionado. Os eventos acontecem a partir da sua perspectiva.
Muitos elementos do livro precisaram ser cortados para caberem em duas horas de filme, mas a realidade mostrada na produção, inclusive com próprios moradores da Cidade de Deus participando do longa, trouxe ainda mais realismo. O estilo documental também chamou atenção, trazendo urgência e autenticidade para a história.
Cidade de Deus é um livro que merece ser lido e um filme que merece ser visto – se possÃvel, mais de uma vez. Ele traz muito da história do nosso paÃs, da cidade do Rio de Janeiro, de sua formação, beleza e violência.
Vidas Secas – Graciliano Ramos
Em 1963, Nelson Pereira dos Santos, um dos precursores do Cinema Novo, adaptou Vidas Secas para o cinema, criando um marco cinematográfico.
Diferente de Cidade de Deus, essa adaptação foi extremamente fiel ao livro, mantendo sua narrativa seca e direta. E, dessa forma, o filme capturou o ambiente desolador descrito por Graciliano Ramos em 1938.
A icônica cena da morte de Baleia, tanto no filme quanto no livro, é marcante. A obra tornou-se referência no Cinema Novo. Em 1984, ganhou uma adaptação da Rede Globo em formato de minissérie, aproximando ainda mais a história do público.
Vidas Secas é um marco da nossa literatura e do nosso cinema que merece toda a nossa atenção.
Capitães da Areia – Jorge Amado
A obra grandiosa de Jorge Amado, um dos escritores icônicos da literatura brasileira publicada em 1937, que retrata a vida das crianças marginalizadas na cidade de Salvador, ganhou sua primeira adaptação para o cinema em 1971 e, posteriormente, em 2011. É um reflexo da luta de classes, da dificuldade da juventude marginalizada e da violência.
A primeira adaptação para o cinema veio em 1971, com The Sandpit Generals, dirigida pelo americano Hall Barllet. O filme teve como inspiração o livro do escritor baiano. O objetivo foi capturar a dureza enfrentada pelas crianças e sua realidade mais crua, preservando assim o espÃrito do romance.
Em 2011, o longa, Capitães da Areia, dirigido por CecÃlia Amado (neta do Jorge Amado!) preservou o tema da juventude marginalizada, porém com adaptações aos tempos modernos, com um formato mais acessÃvel. Foi fiel ao livro, porém com uma narrativa mais atual, em uma Salvador do presente. Ajudou o público que não conhecia a obra a descobri-la, mostrando o poder do audiovisual.
Uma obra que merece destaque na literatura, no cinema, na TV, pois é uma história que retrata o Brasil, o brasileiro e, por isso, está não só na história da nossa literatura, mas também do nosso paÃs.
Gabriela, Cravo e Canela – Jorge Amado
Jorge Amado escreveu o romance Gabriela, Cravo e Canela em 1958, retratando a vida de Gabriela na cidade de Ilhéus, na década de 1920. A história é uma mistura de romance, crÃtica social e liberdade. Dessa forma, Gabriela é um contraste perfeito entre a liberdade, a sensualidade e o mundo conservador ao seu redor.
A adaptação para o cinema veio em 1983, dirigida por Bruno Barreto e procurou preservar a essência da obra literária, trazendo as cores vibrantes da Bahia, a atmosfera criada por Jorge Amado e uma trilha sonora perfeita criada por Tom Jobim. A atuação de Sônia Braga como Gabriela lhe trouxe destaque internacional e marcou época, apesar de, em termos de bilheteria, o filme não ter alcançado o sucesso desejado.
Em 1975, veio a adaptação para TV, em formato de novela, sendo mais popular e acessÃvel ao público. E, claro, uma abordagem mais expansiva das tramas e dos personagens. Ajudou a consolidar também a imagem de Gabriela como uma mulher livre e forte.
A obra de Jorge Amado e suas adaptações ajudaram o escritor a tornar-se um dos principais nomes da literatura brasileira. A obra, em si, continua viva na memória do público.
A Hora da Estrela – Clarice Lispector
A gloriosa Clarice Lispector publicou A Hora da Estrela em 1977. O livro narra a história de Macabéa, uma nordestina que se muda para a cidade do Rio de Janeiro e tenta sobreviver em meio ao caos, ao descaso e à invisibilidade de sua vida. Solidão, identidade e a procura por um sentido para a vida são temas recorrentes na obra.
Dirigido por Susana Amaral e adaptado para o cinema em 1985, o filme foi fiel ao romance, com o mesmo tom introspectivo e sensÃvel da obra original e com foco nas condições de Macabéa.
Aclamado pelo público e pela crÃtica, com estética minimalista, e Marcélia Cartaxo, como Macabéa, o longa ganhou prêmios no Festival de Cinema de Gramado, sendo citada no cenário internacional.
Publicado original em https://verbocultural.com.br/livros-brasileiros-adaptados-para-o-cinema-e-a-tv/
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