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Antes de apresentarmos algumas obras, uma parada para reflexões: afinal, o que é um livro clássico e o que o torna como tal? Vejamos algumas proposições do escritor e jornalista italiano Italo Calvino em "Por que ler os clássicos".
1. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
Então, já vamos estabelecer uma regra aqui: não se culpe por ser seu primeiro contato com os clássicos, por não ter conseguido se conectar com eles na juventude ou por não ter tantos deles na sua bagagem literária, pois como diz o próprio Calvino, "por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivÃduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu". E à s vezes o momento não é dos melhores, nem a cabeça; o momento próprio pode elevar a experiência e o reencontro, a releitura, desvendar novas camadas do que já foi lido, novos significados.
2. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos crÃticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.
Eles transcendem tempo e espaço e permanecem, o falatório impulsiona ao invés de apagar.
3. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
Clássicos falam de outros clássicos, há uma intertextualidade riquÃssima; o que já foi dito é dito novamente, mas com outros contornos. No entanto, "a leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tÃnhamos. Por isso, nunca será de mais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possÃvel bibliografia crÃtica, comentários, interpretações" (Calvino, 1981, p. 12).
A questão é que não há um começo ideal, só o que se encaixa melhor com a sua trajetória literária, uma vez que há infinitas combinações possÃveis para uma lista como esta. O nosso objetivo é indicar livros que não assustem os iniciantes e que incitem os mais ávidos a uma (re)leitura.
A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói
Dos russos talvez você estivesse esperando por "Crime e Castigo", "Anna Karenina" ou "Guerra e Paz", três calhamaços muito adorados da literatura russa; mas vamos começar com algo mais digerÃvel, ao menos em termos de tamanho. "A morte de Ivan Ilitch" é considerado um dos melhores exemplos do gênero novela e aborda questões da natureza humana, como moral e ganância. A narrativa começa com o fim da vida do protagonista, Ivan, e volta ao meio dela; o leitor se depara com momentos importantes da vida de Ilitch, como a dinâmica da vida conjugal e familiar e sua obsessão pelo trabalho — uma crÃtica à s convenções familiares, aparências sociais, e à superficialidade e hipocrisia da alta sociedade da época —, enquanto Ivan busca pelo sentindo da vida.
O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde
Escândalos literários, e pessoais, que transcendem tempo e espaço. Dorian Gray, de uma beleza invejável, quer manter sua juventude intacta (e consegue). Enquanto o retrato de Dorian, pintado por seu amigo e admirador Basil Hallward, carrega as marcas do tempo, o protagonista regozija-se dos prazeres da vida com descuido e sem remorsos. Vaidade e hedonismo estão no centro do primeiro e último romance de Oscar Wilde, e também as consequências da busca incessante pela juventude eterna —, uma narrativa filosófica, irônica e sobrenatural. Uma afronta à moralidade da época, "O Retrato de Dorian Gray" existe em duas versões: a edição censurada de revista (1890) e a edição do livro (1891), que conta com o texto original e fora utilizada contra Wilde em processos judiciais, os quais alegavam a homossexualidade do autor, condenado a dois anos de prisão por atentado ao pudor.
Alice no PaÃs das Maravilhas, Lewis Carroll
"Alice no PaÃs das Maravilhas" é uma das histórias que todo mundo conhece, mas será que conhece mesmo? "Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos" (Calvino, 1991, p. 12). Se você apenas viu a animação da Disney ou adaptação de Tim Burton, está na hora de se perder (e se achar) nas palavras de Lewis Carroll, junto com Alice. O universo caótico e com lógica absurda também é interno, nossa protagonista entra de um jeito no buraco e sai de outro, uma jornada de crescimento e autodescoberta, uma busca pela sua verdadeira identidade. A narrativa é bastante discutida no campo da psicanálise: o inconsciente, os sonhosÂ… Inclusive, há discussão sobre a própria vida do autor devido ao livro, mas dizem as (boas ou más lÃnguas, você escolhe) que não se deve colocar o autor no divã…
O sol é para todos, de Harper Lee
Agora estamos no sul dos Estados Unidos, historicamente marcado pela escravidão, segregação racial e industrialização tardia. "O sol é para todos" se passa durante a Grande Depressão, na fictÃcia Maycomb County, situada no estado do Alabama; e Scout Finch, uma menina de apenas seis anos e nossa narradora, nos leva numa jornada de encontro com as injustiças sociais do mundo enquanto acompanhada seu pai, o advogado Atticus Finch, defender um homem negro falsamente acusado de um crime. Com sensibilidade e humor, Harper Lee cria um retrato emocionante sobre racismo, injustiça social e a perda da inocência. Um clássico com enredo completamente atual, "que nunca termina o que tem a dizer", pois "seu significado se renova". Aqui a esperança, em uma situação em tudo parece estar perdido, é uma forma de resistência.
Madame Bovary, de Gustave Flaubert
Será que podemos dizer que Madame Bovary andou para que Dorian Gray pudesse correr? Aqui também temos excessos, extravagâncias e buscas incansáveis, mas desta vez pelo amor romântico. Criada com ideais românticos, Madame Bovary se casa esperando uma vida de luxo e paixão, mas se depara com uma vida monótona e um marido sem graça. Insatisfeita, a infidelidade e gastos exorbitantes viram o seu refúgio, tentando transformar seu infortúnio em um grande romance, mas há um preço caro a se pagar por se deixar levar por ilusões. "Madame Bovary" é o marco inicial da literatura realista, uma crÃtica à sociedade burguesa e aos padrões de comportamento "impostos" da época, refletindo sobre decepção, insatisfação e a busca por amor e felicidade.
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