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Jornalismo

Mino Carta é perda inestimável
Solon Saldanha

Faleceu nesta terça-feira, após internação de duas semanas na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o jornalista Mino Carta. Ele estava com 91 anos de idade e enfrentava problemas sérios de saúde há mais de um ano. Nascido em Gênova, na Itália, de onde veio para o Brasil com apenas 13 anos, em 1946, ele se tornou um dos profissionais mais respeitados do nosso país, em seu ramo de atividade. Fundou cinco dos mais importantes órgãos da nossa imprensa, entre 1960 e 1994. Primeiro a revista Quatro Rodas, depois o Jornal da Tarde, seguido por outras três publicações semanais: as revistas Veja, IstoÉ e CartaCapital. Foi assim que deixou um legado muito difícil de ser superado e absolutamente impossível de ser esquecido. O que ele jamais soube – e nem teria como ter ficado sabendo disso – é que foi fundamental na minha escolha pelo curso no qual vim a me formar.

Eu havia passado no vestibular para Engenharia Civil, na UFRGS. Ainda no primeiro ano me dei conta de que aquele não seria de modo algum o caminho que me levaria à realização. Conversas familiares aplainaram as agruras de uma troca, ainda mais que isso poderia representar custos em um momento nada propício, do ponto de vista financeiro. Oscilando entre escolher Direito e Jornalismo, chegou às minhas mãos um texto assinado por Mino. Ele contava a história de um adolescente que havia furtado um cavalo, na cidade de São Paulo. Com o animal, estava cavalgando em uma praça da periferia. Ia e voltava de lugar nenhum, talvez imaginando ser um herói que a vida real jamais lhe permitiria ser. Um cowboy suburbano que enfrentava, qual um Dom Quixote, inimigos imaginários. Não portava arma alguma, mas acabou abatido a tiros por policiais militares.

A forma e o estilo com os quais ele narrou uma tragédia – a repetitiva ação policial que vez por outra nem busca prender, mas julgar, condenar e executar –, a poesia possível que o texto ofereceu, não apenas me comoveu como conquistou. Eu passei a desejar muito ter condições semelhantes, talento próximo, sensibilidade para descrever crueldades do mundo com a esperança de estar contribuindo de alguma forma para a mudança. Mino Carta se tornou uma espécie de padrinho improvável para mim. Uma referência, um exemplo.

Seu nome de batismo era Demétrio, porém Mino lhe caia com uma luva. Sua imagem passava uma falsa ideia de fragilidade devido à educação e ao trato com as pessoas, apesar de ter sido a vida toda uma fortaleza. Nunca se intimidava e costumava dar sua opinião sobre tudo o que lhe pediam, com desenvoltura e mantendo postura crítica e independente. Foi protagonista por onde passou, deixando sempre um legado. Com a Quatro Rodas mostrou a força de uma redação especializada, voltada a um nicho. Na Veja teve a coragem de adotar uma linha editorial moderna e com visual arrojado para a época. Ela ficou tão boa que ele terminou tendo que sair da Editora Abril. Quando então foi para a IstoÉ abraçou a causa das Diretas Já e alavancou crescimento assombroso para aquela revista semanal. E consolidou de vez sua visão de centro-esquerda ao criar a CartaCapital, em 1994. Essa foi e ainda é uma das poucas publicações a manter uma linha progressista em meio ao predominante conservadorismo da mídia brasileira.

Uma característica também marcante de Mino é que ele não aliviava as críticas dirigidas à imprensa mesmo. Em defesa da democracia, sempre questionou limites e abusos dessa, acossada por interesses econômicos. Ou seja, a ética era um dos valores dos quais jamais se afastou. Não por acaso abriu fogo contra a candidatura de Fernando Collor, ainda quando do primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, denunciando toda a imagem falsa do “Caçador de Marajás”. Fez o mesmo em tempos mais recentes, quando antecipou preocupação zero do ex-juiz Sergio Moro com a verdade e a justiça, durante a Operação Lava-Jato.

É interessante acrescentar que Mino, durante algum tempo, esteve como que dividido entre o trabalho jornalístico e o sonho que tinha em se tornar um artista plástico. Seus quadros tinham qualidade para que a atividade fosse muito além de um simples hobby. Ele também foi escritor, tendo publicado pelo menos seis livros. Os dois primeiros foram Castelo da Âmbar (2000) e A Sombra do Silêncio (2003), com excelente aceitação da crítica.

Seu último projeto, esse também como empresário (CartaCapital), jamais deixou de oferecer espaço ao contraditório. E isso lhe custou uma perda considerável de anunciantes, em um ambiente político onde ter voz única é condição da extrema-direita para chegar ao poder e nele se manter. Mesmo assim, a revista permanece em pé. Porque tem o forte DNA de Mino. Que sua “herança” prossiga e tenha uma vida longa, ainda maior do que a dele.

Texto publicado originalmente no blog Virtualidades


03/09/2025

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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