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Literatura

"O compromisso primordial que o escritor tem para com a sociedade é o de produzir literatura"
Luiz Paulo Faccioli



Valesca de Assis: Como foi o teu caminho até o fazer literário?
Luiz Paulo Faccioli: Gostei da questão assim colocada, pois fica implícito que ninguém decide tornar-se escritor a partir do nada: há sempre um caminho a ser percorrido até o primeiro texto chegar ao papel. Se me fosse perguntado como me tornei escritor, poderia evocar o marco do primeiro livro, mas a resposta não estaria completa. Antes do "fazer literário" propriamente dito, houve toda a construção desse fazer, que à época me passou despercebida. Começou com a paixão infantil pela leitura e pela música, que se tornaram imprescindíveis em minha vida. Depois, na adolescência, os festivais estudantis, os grupos de música, uma breve trajetória como compositor. Por fim, a opção profissional por uma carreira de gerente de banco e a decisão de deixar a música num segundo plano. Há também a paixão pelos felinos, que apareceu há mais de 20 anos e que me fez interessar pelas lides de criação e exposição de gatos de raça e me tornar juiz internacional nesse tipo de evento. E há ainda o teatro e o cinema, que sempre me fascinaram. Isso posto, a decisão de escrever um livro parece ter sido fruto do acaso, mas não foi tão ocasional assim. Tive o interesse especificamente despertado depois que minha mulher iniciou e prosperou numa carreira de escritora. Resolvi experimentar e acabei prosseguindo no ofício.

Valesca: És escritor atuante e exerces também, com regularidade, a crítica literária. Nas duas condições, como pensas estar a literatura gaúcha e a brasileira, em nossos dias?
Luiz Paulo
: Embora eu tente evitar a classificação "literatura gaúcha" – afinal, o que todos fazemos é literatura brasileira –, é inegável que nosso estado sempre teve uma destacada participação nas letras nacionais, e Erico Verissimo pode ser visto também como um ícone dessa relevância. O que ocorre hoje é que outros muitos autores gaúchos têm chegado ao grande mercado nacional. Não tenho a menor dúvida ao afirmar que isso se dá muito mais pela qualidade de nossa produção literária e menos por suas características regionais – que existem e também são fator de distinção. Lê-se mais no Sul do que no resto do país; a conseqüência é que também aqui se produza mais literatura, chegando a ser natural que essa fecundidade propicie o surgimento de um número maior de bons autores. Quanto à literatura brasileira como um todo, penso que ela, apesar de reunir uma produção vasta e vigorosa, não pode ainda ser igualada em importância na cena mundial às de outros países de maior tradição literária.

Valesca: Tens intensa atuação em instituições e és, pela segunda vez, Presidente da AGEs (Associação Gaúcha de Escritores). Achas que o escritor tem um compromisso obrigatório, em relação à sociedade em que vive?
Luiz Paulo
: O compromisso primordial que o escritor tem para com a sociedade é o de produzir literatura. Se a mim foi dado ter uma aptidão especial para lidar com as palavras, chegaria a ser egoísmo sonegá-la aos outros. É sob este mesmo prisma que entendo as instituições associativas. O primeiro objetivo é corporativista, não há porque negar: uma associação existe para agregar e congraçar profissionais que têm um interesse comum. Mas o sentido da união de classe só será válido se de alguma forma implicar benefício à sociedade. Não é por outro motivo que a Associação Gaúcha de Escritores tem sempre promovido ações que aproximem nossos escritores associados do grande público. Incentivar essa troca é, no meu entender, a razão de existir de nossa Associação.

Valesca: És, atualmente, membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul. Do que se deve abrir mão para assumir tarefas coletivas?
Luiz Paulo
: De muita coisa. A mais dolorosa, para mim, é ter de abrir mão de escrever. Fazendo um balanço rápido de minha vida nos últimos meses: presidente da Associação Gaúcha de Escritores, com as atividades inerentes ao cargo; a atividade no Conselho Estadual de Cultura, estudando projetos culturais e emitindo pareceres, além de duas reuniões semanais; o trabalho como resenhista mensal de livros para o jornal de literatura Rascunho, de Curitiba; as crônicas como colaborador fixo do suplemento Palavra do Le Monde Diplomatique on-line; a coluna no site Artistas Gaúchos. Fazer ficção... como?

Valesca: O famoso sistema literário gaúcho - escritores, editoras, escolas, leitores -, antes quase perfeito, já há algum tempo não parece o mesmo. Está mais difícil publicar um livro? Está mais difícil ser lido?
Luiz Paulo
: Ao contrário do que possa parecer, a publicação de um livro está hoje muito mais fácil do que já foi num passado não muito distante. Em primeiro lugar, novas tecnologias têm auxiliado a baratear o custo das edições. Depois, a novidade que tem sido adotada por várias editoras locais de dividir com o autor ou mesmo repassar a ele os custos de uma edição. Se por um lado esse sistema facilita a publicação a quem tenha condições de bancá-la, por outro despeja no mercado todos os anos um número de títulos que esse mercado não consegue absorver, simplesmente porque não há mecanismos que possibilitem promover a devida divulgação e distribuição de todos os livros que são lançados. Um bom exemplo é o número crescente, ano após ano, de sessões de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre, que já beiram a emblemática cifra de 1 mil! Há também outras perversidades, a começar pelo fato de que raros editores hoje em dia seguem desempenhando o papel de publisher, aquele profissional que conhece literatura, tem senso estético mas também comercial, discute com o autor a obra que vai ser publicada, sugerindo muitas vezes alterações de forma e de conteúdo, e, no fim, chancela com seu nome a publicação. O respaldo que traz o selo de uma casa editorial de respeito ainda é fator distintivo de uma publicação. Além disso, o publisher investe financeiramente no produto que lança e, portanto, trabalha pelo retorno de seu investimento, tornando-se parceiro de seu autor. Sem essa parceria não há livro que aconteça de forma satisfatória. A boa venda pode até acontecer de maneira isolada, caso o livro seja, por exemplo, adotado por uma escola, mas esse é um mercado paralelo – importante, sem dúvida, mas paralelo – e o que o escritor sempre almeja é atingir o grande público.

Valesca: Fazes parte de uma Cooperativa de Escritores, a Casa Verde, que, ao lado de autores consagrados, tem lançado gente nova, daqui e de fora do país. A Casa Verde ambiciona, em um dado tempo, fazer circular mais amplamente a nova produção cultural gaúcha?
Luiz Paulo
: A Casa Verde tem em sua origem outro objetivo: há quatro anos, éramos oito escritores sem perspectiva de lançamentos individuais que queriam produzir literatura, aperfeiçoar a escrita através da troca de experiências e publicar o resultado sem depender dos humores sempre instáveis das editoras comerciais. Quanto à circulação, focamos o mercado regional com a possibilidade de expansão ao resto do país através de vendas pela internet – tanto pelo site próprio, quanto pelos catálogos de grandes livrarias virtuais. A idéia das antologias de minicontos, que acabou se tornando uma espécie de marca registrada da Casa Verde, era dar ao grupo uma visibilidade que viesse a auxiliar na divulgação de outros trabalhos. Deu tão certo que optamos por investir mais nessa linha. De certa forma, as minicoletâneas acabam servindo de vitrine ao que se está produzindo hoje em nosso estado.

Valesca: Qual a tua opinião sobre o papel das oficinas literárias, tão múltiplas, no momento, por aqui?
Luiz Paulo
: Sou absolutamente fã das oficinas de criação literária. Elas, ao contrário do que tentam argumentar seus detratores, não têm a pretensão de formar escritores, nem tampouco ameaçam padronizar a produção literária dos oficineiros. As oficinas abreviam caminhos ao escritor, adiantando o que ele, se perseverar, virá a descobrir com o tempo. Além disso, a interlocução com outros escritores é fator altamente positivo ao crescimento individual. É sempre muito difícil encontrar quem tenha condições de discutir de igual para igual sobre dificuldades inerentes ao processo criativo. Na oficina, discute-se sem melindres e com a imparcialidade necessária.

Valesca: O que é preciso para um escritor gaúcho atravessar o Mampituba? Isso é um desejo de muitos. É realmente possível e necessário?
Luiz Paulo
: Não existe fórmula, ou, se existir, eu a desconheço. Possível, sei que é. Há atualmente um grande interesse das editoras nacionais em contratar autores gaúchos, pois elas perceberam – e isso não foi de ontem – que algo de diferente estava acontecendo no Sul, a partir do nosso já citado sistema autônomo de produção/circulação. As editoras reconheceram também que aqui vinham surgindo excelentes autores. Como chegar numa editora nacional é a questão. Já vi acontecer de tudo. Há a história do escritor que envelopou seus originais, despachou-os por correio a uma das mais respeitadas casas editoriais e, para surpresa dele próprio, teve aceita a publicação. Há quem já tenha formado um público a partir do que escreve nos jornais ou na internet, e isso sem dúvida facilita o acesso a uma grande editora. Há quem tenha construído uma carreira aqui e o interesse das editoras tenha vindo ao natural. No meu caso, cheguei à Editora Record pela indicação de um amigo muito querido à própria Diretora Executiva do grupo, e esta apostou que o universo da música, cenário do meu romance Estudo das teclas pretas, teria apelo comercial.

Valesca: O que tens lido de melhor?
Luiz Paulo
: Neste ano, até o momento o livro que mais me impressionou foi Seda, do italiano Alessandro Baricco. Há uma crônica minha sobre ele, publicada aqui no Artistas Gaúchos, e onde tento explicar o porquê do meu entusiasmo.

Valesca: O que tens lido de pior?
Luiz Paulo
: O respeito devido a meus pares não me permite responder de forma objetiva a esta pergunta. Mas não há coisa que mais me entristeça do que descobrir um mau livro, e infelizmente isso tem se tornado a cada dia mais freqüente. Não gosto da literatura que se autodenomina "transgressora": muitos pensam que escrever como Nelson Rodrigues significa amontoar palavras chulas e lugares-comuns de sexo e violência. A verdadeira transgressão vai ser reconhecida pelos outros, a seu tempo, e certamente em outra época. O que muitos não compreendem é que, em arte, até mesmo um palavrão tem função estética. Aliás, digo que não há nada mais difícil em literatura do que lançar mão, com bom gosto, de um palavrão. Detesto também a pretensão: aquele autor que descobriu a citação e a intertextualidade e pensa ter descoberto a roda. É patético.

Valesca: O que estás escrevendo, agora?
Luiz Paulo
: Absolutamente nada, e isso está me frustrando. Tenho dois livros que serão lançados este ano. Um deles é meu primeiro infantil, Cida, a Gata Maravilha, lindamente ilustrado pelo André Neves, que acabou de sair do forno pelo selo Galerinha da Record. O outro é uma nova coletânea de contos baseados em canções do Chico Buarque e que se intitula, muito a propósito, Trocando em miúdos; esse será lançado até o final do ano, também pela Record.

25/06/2008

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