Um espetáculo de luzes acessas. Comecemos por aÃ, porque espetáculos sem cenário há diversos; sem figurinos, alguns. Espetáculos com apenas um ator, há diversos; com a platéia ao redor, alguns. Mas um espetáculo de luzes acessas é realmente algo que chama a atenção. E é assim em Il Primo Mirácolo, saudada montagem de Roberto Birindelli em que o ator interpreta 21 personagens sem recursos de cenografia, figurino ou iluminação.
O texto de Dario Fo – maior dramaturgo contemporâneo, ganhador do Prêmio Nobel e autor do também clássico gaúcho Pois É, Vizinha – é uma paródia que conta os primeiros anos da vida de Jesus, satirizando os valores sociais do nosso tempo e humanizando sobremaneira as sagradas personagens bÃblicas. Na montagem do diretor Birindelli, o ator Birindelli em palco é ao mesmo tempo soldado e Rei Mago, anjo e estrela cadente, Jesus, Maria, José e Deus, desdobrando-se com versatilidade entre uma personagem e outra, seus tipos e cacoetes, mas não abdicando em nenhum momento do mais importante papel que poderia desempenhar na peça: o de narrador.
Porque acima de tudo, desde o começo, quando o ator entra em palco batendo papo, sem empostação de voz ou olhar, até o final, um final que não encerra, mas interrompe, Il Primo Mirácolo é uma história contada por um grande ator que sabe usar corpo, voz e público em prol de sua história. Um gesto é suficiente para reconhecermos Maria, uma voz é o bastante para reconhecermos Deus, e quando percebemos já fazemos parte do universo lúdico criado no mesmo lugar em que antes só havia um chão de tábua e pó.
O público, aliás, disposto ao redor de um quadrado onde a cena ocorre, é mais do que espectador, sendo chamado a participar cantarolando, respondendo, questionando e, talvez mais do que isso, emoldurando a cena, pois como as luzes estão acessas e as pessoas dispostas em quadrado, pode se ver a reação dos outros espectadores, suas caretas, risadas e surpresas. Nesse aspecto, vale dizer que é mais o ator quem arranca essas caretas, risadas e surpresas do que o texto em si. Genuinamente pós-moderno e carregado de referências ao Evangelho, que feliz ou infelizmente muitos já perderam, o texto de Dario Fo parece apenas um ponto de apoio para um grande artista como Roberto Birindelli fazer seu primo mirácolo, o milagre de transformar um chão de tábua e pó em vida, em expectativa, em aplausos.
Vale lembrar que o espetáculo, há 16 anos em cartaz, foi idealizado como projeto de graduação no Curso de Artes Dramáticas - Interpretação Teatral da UFRGS, “sendo fruto de uma pesquisa centrada na presença cênica do performer e na relação ator-espectador, baseada em alguns princÃpios básicos da Antropologia Teatral”, segundo consta no site do ator. Site, aliás, que evidencia a carreira ascendente de Birindelli, figurinha carimbada em filmes produzidos no Rio Grande do Sul e, aos poucos, requisitado por emissoras nacionais para participação em novelas.
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