Um banheiro público. Este é o cenário para ser ambientada
a pesquisa de Pedro Delgado, que deu origem ao texto da peça Q os homens
pensam q as mulheres pensam, que esteve em cartaz em janeiro, no Porto Verão
Alegre, no teatro Hebraica. A idéia para montar o espetáculo nasceu
em 2002, ao realizar um curso de extensão na Universidade de Santa Cruz,
em Santa Cruz do Sul. Lá, Pedro percebeu que mesmo em uma cidade de origem
germânica, onde a população tende a ser mais fechada e conservadora,
também existia o costume de escrever frases sacanas nos banheiros públicos.
A partir desse fato, ele resolveu pesquisar o tema a fundo.
Na peça, homem só pensa “naquilo” e não
dá a mínima para o que as mulheres querem.
Banheiros à mão cheia
O diretor colheu frases em vários banheiros de Porto Alegre e de outras
cidades do país. Analisando o vasto material reunido em cerca de três
anos, Pedro viu ali a possibilidade de formatar, dentro deste universo marginal,
as personagens que poderiam ser as autoras das frases rabiscadas nos mictórios
de qualquer lugar. O autor também queria falar de gênero, do universo
feminino, do universo homossexual. Conforme Pedro, a discriminação
acaba marginalizando os homossexuais, sendo o banheiro público um local
onde tudo pode acontecer, inclusive a `caça` de uma companhia. “Eles
não conseguem ter parceiros para desfilar na rua e vão para o
banheiro público”, conta o diretor. As frases nos banheiros passam
os mais diversos tipos de mensagens: da pregação, à filosofia
e contatos para programas; tudo tem um destinatário certo.
A pesquisa sobe ao palco.
Foto: Isabel Bonorino
Terapia no banheiro
A partir daí, Pedro também começou a aprofundar outra
pesquisa: o comportamento de homens e mulheres. Baseado em leituras sobre o
tema, em depoimentos colhidos ao longo de anos e em histórias contadas
por amigos, amigas, amigos de amigas, o diretor chegou a um denominador comum.
As anotações repassadas a ele foram transformadas em dramaturgia;
as experiências comuns foram aproveitadas. Segundo ele, nossa natureza
humana é comum e, por isso, tendemos a repetir comportamentos, pensamentos,
ações e histórias. “Essas coisas são do cotidiano
das relações; é por isso que as pessoas se identificam”,
afirma Pedro.
Segundo o diretor, os banheiros públicos são um mundo à
parte. Em dúvida se deveria realmente montar o espetáculo, Pedro
obteve a motivação e a resposta em um banheiro da Praça
da Alfândega, no centro de Porto Alegre. Confundido com um michê,
foi assaltado por cinco rapazes que se consideravam “donos do ponto”.
Não adiantou falar que estava fazendo uma pesquisa; ao reagir, foi agredido
pelo grupo. O faxineiro responsável pelo local viu tudo e não
fez nada. Pedro conta que ao questioná-lo, a resposta foi óbvia:
o faxineiro estaria ali todos os dias ao passo que ele não voltaria ao
local. “A coisa é pior do que eu imaginava. Esse universo existe
e tentei trazer de forma leve, mas não deixo de passar o recado”,
desabafa o diretor.
Clube do Bolinha
Em 2004, Pedro selecionou o material, trabalhou a dramaturgia e, no ano seguinte,
finalizou e estreou a peça. E assim surgiram as personagens Beth (Pedro
Delgado), Marcos (Luís Carlos Pretto), Faro (Émerson Maicá)
e um segurança (Éder Santos). O universo abordado é o feminino,
ou seja, aquilo que as mulheres pensam e por conseqüência, o que
os homens imaginam que elas pensam. Porém, quem traz toda a temática
à tona, curiosamente, é um homossexual (mesmo porque como colocar
uma mulher dentro de banheiro masculino?). A partir da visão feminina,
acontecem os mais diversos e engraçados diálogos; tão comuns
que a platéia se identifica e ri a cada tirada da divertida Beth, que
constantemente interage com a platéia no melhor estilo programa de auditório.
Cantando no banheiro esquisitão
O cenário é um banheiro de shopping cheio de frases escritas
nas paredes, tirados da pesquisa feita pelo diretor. As personagens trabalham
ou circulam no local e, invariavelmente, se encontram no banheiro. Apesar da
inadequação (afinal, que shopping tem um banheiro com paredes
rabiscadas e dentro um marginal metido a músico cantando e cuidando a
porta para ganhar alguns trocados?) é lá que se passa todo o enredo
da peça. As coisas mais triviais e infames do comportamento humano são
mostradas de forma coloquial, que divertem pela simplicidade e pela pretensão
de apenas fazer rir. O comportamento sexual de homens e mulheres é colocado
em pauta revelando preferências e costumes que todo mundo está
careca de saber, mesmo que não comente por aí aos quatro ventos.
Apesar do pouco cuidado com o figurino e com o restante do cenário,
o resultado não poderia ser diferente: gargalhadas! Também na
hora de passar o `recado` do autor sobre o tema, acontece uma quebra no andamento
da peça. O tom de comédia ganha traços diferentes e, por
alguns minutos, temos a desagradável impressão de que estamos
assistindo à outra peça. Porém, para a alegria do público,
o clima de melodrama não dura muito; logo volta o ritmo normal e as risadas
da platéia mostram que o caminho original foi retomado.
Pedro Delgado é formado em história e começou a estudar
teatro em 1988, tendo feito diversos cursos na mesma área. O diretor
já contabiliza cerca de 15 peças, tendo sido premiado por algumas
infanto-juvenis. Pedro participou do Porto Verão Alegre 2009 com mais
duas peças: Como enlouquecer sua alma gêmea e O segredo íntimo
dos homens. Os próximos projetos do diretor já tem nome: “Até
que a casa caia”, uma comédia política e “ Vestida
do avesso”, uma tragicomédia de gênero.
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