Aqui vão algumas anotações menos críticas do que retardatárias
sobre livros de autores de agora-agora que tive a chance de ler, e que a respeito
dos quais não seria justo ficar em silêncio. Há outros nomes
e títulos que, no momento oportuno, também serão comentados
aqui. Trata-se na verdade, digamos assim, de pôr o “trampo”
em dia.
Circo mágico (Editora Projeto, 2007), de Alexandre Brito.
Segundo os dados de catalogação, trata-se de uma obra de “literatura
infantil” e de “poesia infantil”. O subtítulo do livro
diz que são poemas “para gente pequena, média e grande”.
Sigo a deixa do poeta, e leio Circo mágico às ganhas, ou seja,
feito gente grande. Alexandre Brito sabe que em poesia tudo se dá inapelavelmente
na superfície rugosa da linguagem, inclusive o que, mais tarde, na recepção
do leitor se derramará ou subirá como erupção dos
abismos mais escuros do espírito. Portanto, o poeta como re-apresentador
do círculo da tradição e dos jogos de linguagem, prestidigitador
de poemas, se mostra como o velho mestre sem cerimônias com relação
àqueles significados e signos estagnados pelo uso repetitivo. Com efeito,
tal como o tratador de animais que aparece a certa altura desse verdadeiro cineminha
de animações verbais que é o Circo mágico, o poeta
no que respeita às convenções discursivas “é
um cara intratável”.
Trabalhos do corpo (Letra Capital, 2007), de Sandro Ornellas. A impressão
síntese que resta após o término da leitura do livro é
a de que o poeta se houve muito bem com os desafios do verso longo e daquela
poesia que opera dentro do subdiretório da tradição discursiva.
Com efeito, a tradição a que me refiro, e à qual parece
se filiar Sandro Ornellas — ao menos nessa obra —, é a do
discursivo instaurado pela pós-modernidade; rosácea de referências
estético-políticas. Waly Salomão (1943-2003) em seus piores
momentos é o poeta-tipo dessa algaravia pós-moderna: lábia
resolvida em sumidouro de dicções alheias. Mas no atacado, gosto
da poesia do baiano. Neste aspecto, a experiência de Sandro Ornellas,
me parece, mais bem sucedida. Atento aos fracassos da tradição
do citado subdiretório, o poeta de Trabalhos do corpo, soube se safar
tanto da vaga neobarroca — cujo léxico é simbolista e retrô
— quanto da mera falação de pendor tropicalista.
Play (Record, 2008), de Ricardo Silvestrin. Em sua estréia
na prosa o poeta multipremiado se mostra seguro das belezas e dos riscos envolvidos
no trato com o gênero. Felizmante, Silvestrin se concentra mais nas belezas
do que nos riscos. Não que se mostre leniente com as redundâncias
às vezes exigidas pela prosa. Ao contrário, o poeta, isto é,
o prosador assimila essas características devolvendo-as de maneira renovada
tanto ao leitor quanto aos seus pares, fazendo boa “prosa magra”
— expressão que, uma vez, um detrator de Machado Assis usou para
tentar diminuir a arte imbatível do mulato —, assim como Kafka
e depois Borges o fizeram. No quadro da prosa contemporânea Play dá
um drible na torpeza esteticamente tolerável a que estamos quase que
habituados.
Prosa do mar (7Letras, 2008), de Marlon de Almeida. A voz lírica
se projeta sobre uma voz dramática que se esgarça. A remissão
ao lirismo não edulcorado marca a presente recolha de poemas de Marlon
de Almeida. A novidade de Prosa do mar repousa sobre uma particularidade: esse
lirismo faz alusão em parte à moderna canção brasileira,
isto é, se põe em relação com esta. Uma polifonia
a Dorival Caymmi, narrativa em ondas de poemas. Vozes que se quebram na praia
branca da página. E como muito bem lembrou Ronaldo Machado em análise
ainda não publicada dedicada ao livro, na concha textual de Prosa do
mar, ouvimos um eco valeryano, vale dizer, como o mar no Cemitério Marinho,
a obra de Marlon de Almeida — esse poema na linha da prosa e de muitas
vozes — se propõe como um discurso sempre recomeçado. Marlon
compõe precisas cantigas d’amigo.
Para terminar, trecho de um poema deste resenhista parcial: “que outros
podem o jardim ao soberano/ com a foice aqueles a quem a fortuna/ não
quis foder...”. E bom proveito.
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