A poeta Maria Rezende participou da segunda edição da FestiPoa Literária e lançou em Porto Alegre seu novo livro de poesia -"Bendita Palavra" (ed. 7 letras, 2009). Nesta entrevista, Maria fala um pouco sobre suas leituras e seus poemas.
Fernando Ramos: Conta um pouco da tua trajetória. Você é poeta, e poeta que diz poesia em recitais, saraus, diz as suas próprias e a de outros poetas. A poesia chegou a você pelo ouvido ou pela leitura, como é que foi esse acidente?
Maria Rezende: Eu gosto de poesia desde pequena, de ler Cecília Meirelles e Vinícius, e escrevia uns versos daqueles bem melosos no canto das páginas do caderno de matemática. Na medida em que fui lendo os poetas que me formaram, Drummond, Fernando Pessoa, Adélia Prado, fui achando que era inviável pretender alcançar a qualidade deles, e acabei parando de escrever. O que me resgatou foi a poesia falada, que começou pra mim quando eu entrei na Escola Lucinda de Poesia Viva, comandada pela poeta Elisa Lucinda. Lá se ensina a dizer poesia de um jeito cotidiano, sem impostação, como uma conversa. Aí eu comecei a dizer poemas de Manoel de Barros, Manoel Bandeira, Ferreira Gullar, fui descobrindo que versos cabiam na minha respiração, e de repente a minha poesia brotou da descoberta desse ritmo meu.
Você experimenta a poesia falada, trabalhou e trabalha muito o dizer poesia, e agora você está lançando o segundo livro, de poesia no papel, impressa, acompanhada de Cd, com os poemas lidos. Como você sente que repercute nas pessoas que ouvem/lêem essas duas maneiras de fazer poesia?
É engraçado porque com essa intimidade toda com a poesia falada, os poemas nasciam no papel mas sempre já grávidos da palavra falada. E como publicar é difícil, a forma de mostrar meu trabalho era sempre no palco, em eventos de poesia, shows de amigos, coisas assim. Então quando começou a rolar a idéia de publicar eu morri de medo de não dar certo, da minha poesia não ser boa escrita, de não tocar ninguém, sei lá. Daí surgiu a idéia de lançar um cd junto com o livro, que foi genial porque além de resolver a minha insegurança abriu um universo de ouvintes que o livro não teria: gente que não curte muito poesia, ou que não está acostumado, ou que acha que é difícil, e quando ouve um poema dito como uma conversa, de um jeito cotidiano, vence essas barreiras. Além disso, o disco tem um potencial de se espalhar incomparável com o livro. Dá pra tocar pros amigos numa festa ou no carro sem ter que dizer “lê isso aqui”, e aí cada um lê de uma vez. Tem um lado gregário no disco, ao mesmo tempo que o livro tem o seu barato também incomparável, que é o de descobrir ali sozinho, quietinho, cada palavra escrita. Eu adoro os dois jeitos, e não abro mais mão dessas duas vertentes.
Porque a palavra é bendita pra você?
A palavra pra mim realmente é uma coisa bendita. Volta e meia rolam teorias do que distingue o homem dos outros animais, e não me interessa o que seja porque pra mim, pessoalmente, é a palavra. Pra além da linguagem, a palavra é meu porto seguro. E por isso eu tatuei “palavra” nas minhas costas e não “poesia”. Porque mais do que a poesia, eu tenho amor pela palavra. A palavra que você usa para expressar raiva, ou para seduzir ou pra pedir informações. Então a poesia é um jeito lírico e lúdico de usar as palavras, que me encanta quando eu faço e quando eu leio, mas o amor pela palavra vai muito além.
Uma parte do livro traz poemas que refletem sobre a palavra e sobre a própria escrita, na outra parte você olha para as dores do mundo, as dores/prazeres do amor, a relação homem/mulher, a passagem do tempo. O lirismo dos poemas parte do cotidiano, do aqui-agora, para fazer a ponte com o poético. Não é o lutar com as palavras, mas o valer-se das palavras, sem analisar se a luta é vã ou não. O que você acha disso, e como é pra você a labuta poética?
Adorei a expressão, “labuta poética”, e é meio isso mesmo: pra mim não tem luta com as palavras, tem é o prazer incrível de se apoderar delas, de inventar combinações inusitadas que podem gerar imagens ou sensações ou expressar sentimentos de um jeito não-óbvio. Eu escrevo por opção, e como é virtualmente impossível ganhar dinheiro com poesia eu não coloco pressão nenhuma sobre o meu processo criativo. Às vezes escrevo muito, outras (como agora) passo meses sem escrever nada. Nada mesmo, nenhum poema. Não tem ansiedade nem sofrimento nesse processo, que só é detonado quando alguma coisa me toca, me mobiliza. Esse lampejo pode vir de uma idéia ou de uma palavra mesmo, de uma expressão. Por isso o “Bendita Palavra” tem poemas muito metaliguísticos, porque eu realmente sou seduzida pela palavra, pela maluquice que é pegar esse instrumento tão cotidiano e aparentemente banal e fazer dele beleza. E aí depois tem os poemas que falam do mundo, que são maioria e quase sempre me contém dentro. Esse segundo livro tem mais poemas nos quais eu não figuro, que me contém como olhar que recorta o mundo mas não como protagonista. Pra mim esse é um amadurecimento da minha poesia, e uma das alegrias do “Bendita Palavra” pra mim.
Mais sobre Maria Rezende:
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