Liana Timm, formada em Arquitetura e Urbanismo, Mestre em Educação, Designer Gráfica, Poeta, Artista multimídia e produtora cultural, nesta entrevista conta de sua trajetória, de sua multiplicidade, da importância da Bienal B e do seu trabalho como coordenadora do Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano.
Marcelo Spalding - Liana, você é uma artista de múltiplas facetas, poeta, designer,
arquiteta, artista plástica, produtora cultural. De que forma uma
faceta contribui com a outra?
Liana Timm - Ouço muitas vezes esta pergunta, quando digo o que faço, diariamente. As
pessoas ficam intrigadas como alguém pode desempenhar tantas atividades
concomitantemente. Mas isto faz parte da minha história de vida.
Desde pequena convivo com as expressões artísticas. Minha mãe tocava piano,
havia pinturas da minha avó por toda casa, meu pai gostava de fazer
trabalhos manuais. O meu primeiro patinete meu pai fez no galpão lá de casa.
Já com 3 anos de idade eu desenhava muito, tinha até uma mesinha especial
para isto. Quando entrei para o colégio o meu desenho chamou a atenção dos
professores. Desde os 7 anos estudei piano, com o mesmo professor que minha
mãe havia estudado. Depois fui para o ballet. Após as primeiras séries fui
selecionada, com mais 12 coleguinhas para frequentar uma classe experimental
que estava sendo implantada na escola, voltada para a educação humanista com ênfase nas disciplinas expressivas. Esta classe experimental foi uma das
vivências mais importantes da minha vida. Lá se praticava teatro, artes
visuais, poesia, canto, juntamente com todas as outras matérias
obrigatórias. Tinhamos uma dupla permanência na escola: de manhã e de tarde.
Como eu morava perto, almoçava em casa, mas logo que o almoço terminava eu
subia a rua correndo para pegar a atividade de teatro que era oferecida às
alunas que almoçavam no colégio. Então me envolvia com o figurino e o
cenário das peças. Fui sempre presença ativa na escola. Me oferecia para
fazer de tudo. Esta disponibilidade para fazer coisas não é de agora não.
Incrível, estou aqui respondendo a esta pergunta e me lembrando de quanto eu
amava aquele colégio e tudo que me era oferecido lá. Para aperfeiçoar meus
conhecimentos de pintura tive aulas particulares desde os 12 anos. Do
apartamento da minha professora se podia ver os telhados de Petrópolis e eu
exercitava a observação pintando como os impressionistas. Muita natureza
morta também e cópia de obras famosas. Cantei no coral da escola, participei
do jogral da turma, estudei violão e assim vai.
Minha infância foi povoada com mil atividades, todas em torno da arte.
Claro que como eu, minhas colegas também usufruiram deste ambiente mas
nenhuma se direcionou para a arte. Nunca tive dúvida do que seria, aliás eu
nem pensava nisso, eu era. Não houve interrogação, a naturalidade com que me
movimentava entre as artes dava à minha vida uma tranquilidade e uma paz
iniqualàveis. E aos pouco fui desenvolvendo uma, outra, uma, outra... Minha
preocupações eram de outra natureza, nunca sobre a minha vocação.
Por esta razão é que hoje, ao transitar por todas estas linguagens sinto
como se simplesmente estivesse dando continuidade ao que sempre fiz na vida.
O que faço e sou não foi adquirido via teoria mas pela vivência, o que torna
tudo bastante simples. E,consequentemente, fica desnecessária a explicação
racional do que se vê, se ouve, se participa. Junto ao meu desenvolvimento
natural como ser humano correu junto também o desenvolvimento da
sensibilidade para com o universo da arte. Quando adulta, aí sim, busquei
aperfeiçoar meu nível de envolvimento com a arte através de
conhecimentos teóricos. As atividades que desempenho hoje têm muitas coisas em
comum. Todas se utilizam do mesmo processo: o criativo. Poesia e artes
visuais, eu as configuraria num grupo e arquitetura e design, noutro. O
primeiro grupo é o campo da liberdade, o segundo, o grupo da funcionalidade.
Ambos trabalham com estética, conceito, materiais, técnicas, suportes, e
outros tantos elementos. Mas o primeiro tem o poder de dar vazão aos sonhos
e aos desejos subjetivos, o segundo dá vazão a sonhos e desejos, mas sempre
voltados a realizações objetivas e à praticidade da vida.
Imagino que em cada momento da vida você se sinta mais poeta, ou mais
artista plástica, ou mais arquiteta, e as coisas se alternem. É isso? Hoje
você está em que momento?
O meu estado de espírito permanente é o de poiesis. Assim vejo o mundo e me
relaciono com ele. Me sinto sempre instigada a fazer algo, tranformar,
questionar algo. Poetizar a vida através de uma ou mais linguagens. Para ser
poeta ou artista plástico não dependemos de ninguém. Basta vontade
expressiva e esta tenho constantemente. Para exercer arquitetura ou design é
preciso demanda e esta vem do exterior. Ficamos à mercê da vontade de
alguém. Assim sendo a poesia e a arte são as minhas constantes companhias no
dia a dia.
Você diria que arquitetura é uma arte?
Sem sombra de dúvida. Mas uma arte condicionada a necessidades práticas da
vida. Entretanto mesmos com os condicionantes impostos a ela, a boa
arquitetura ultrapassa-os e atinge, além das exigências funcionais, o
universo simbólico. Cria ambiências capazes de oferecer aos usuários uma boa
qualidade de vida, trabalho e lazer.
O que os artistas gaúchos em geral poderiam aprender com os arquitetos em
termos de profissionalismo?
Somos treinados a raciocinar por sobreposições e simultaneidades. Isto nos
possibilita uma agilidade muito grande de pensamento. Um projeto
arquitetônico tem tantas variantes e tantas exigências que podemos
compará-lo a um sistema de rede onde cada parte depende da boa performance
das outras e do todo. Isto possibilita, de relance, uma visão abrangente de
qualquer circunstância. Esta forma de raciocínio, exercitado no ato de
projeto, se incorpora ao pensamento, auxiliando em todas as outras situações
de vida.
Outro aspecto da prática arquitetônica profissional é o cumprimento de
prazos. Nenhum arquiteto se vale da “inspiração” para projetar. O processo
de projeto segue alguns rituais que possibilitam ao profissional cumprir
prazos e também criar as edificações dentro das limitações impostas.
Nunca se ouviu falar em algum arquiteto ter solicitado a compra de mais um
pedaço de terreno do que o dado, para implantar seu projeto. Mas se ouve
muito falar de escritor que se rebela contra o prazo e o tamanho do texto a
ele solicitado por algum editor.
Você recentemente esteve expondo em São Paulo, mas muitos artistas locais
reclamam da dificuldade de atravessar o Mampituba. O que você sugere, então,
para que o trabalho dos artistas locais tenha maior alcance?
Realizo exposições individuais fora do estado desde 1980.
Aqui vão algumas que me lembro agora: GaleriaMacunaíma/FUNARTE/ Rio de Janeiro, Museu da Gravura/Curitiba/Paraná, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Centro Cultural Correios/Rio de Janeiro,Fundação Cultural do Distrito Federal/Brasília, Memorial da América
Latina/São Paulo, Museu ?Brasileiro da Escultura/São Paulo, Espaço Cultural
Citi/São Paulo. Lancei o livro trilingue (Re)velações do olhar escrito por
Emília Viero, Jaime Betts e Lenira Fleck sobre o meu trabalho, em Paris, e ai
vai. Todas estas mostras foram um processo de busca e persistência ao longo
da minha trajetória, O que sempre digo sobre o “ser artista”, é que não pode
faltar paciência nem perseverança. Sem esta duas qualidades é impossível
sobreviver em nossa sociedade movida a interesses diversos.
O que você acha de eventos como a Bienal do Mercosul e a Bienal B?
Vamos por partes, Bienal do Mercosul é de uma natureza e Bienal B de outra.
A Bienal B é uma iniciativa dos artistas, um evento independente e livre, um
acontecimento que possibilita dar visibilidade à produção dos que se integram à
idéia e cumprem às mínimas exigências operacionais da organização. Um evento
que cria na cidade uma atmosfera cultural autêntica, no sentido de espalhar
as marcas da arte para todos os bairros e cantos da urbe. A sobrevivência da
Bienal B será breve ou longa em função da maneira com que a curadoria
desenvolver seu trabalho. Se continuar possibilitando, sem incluir nem
excluir ninguém por vias opacas, a amostragem das produções vigentes, se não
usar nenhum tipo de poder (econômico ou simbólico) para induzir a
subjetivação estética, se não entrar em modismos que se esgotam e são usados
como formas de manipulação do mercado, se caracterizar sua ação como uma
resistência ao que se cria artificialmente, como parâmetros, para a arte
atual, acho que terá vida longa. E, principalmente, se for realizada de
maneira totalmente desvinculada de qualquer outro evento, não desejando ser
respingada por ele, como estratégia para uma infiltração mascarada de “não
intencional”, acho que será também exitosa. Porque se neste esforço de
independência tiver embutido um desejo de inclusão por quem os exclui, aí
será um grande fracasso e uma grande decepção. Uma tentativa velada de estar
dentro de sistemas falidos mas sempre almejados por alguns e nada mais.
Vamos falar um pouco do trabalho que você está desenvolvendo no Instituto
Cultural Brasileiro Norte-Americano. Como surgiu a ideia do Cultural voltar
a investir em cultura?
O CULTURAL, ao longo dos seu 71 anos, sempre teve duas vocações: o ensino da
lingua inglesa e o intercâmbio entre a cultura brasileira e norte-americana.
Hoje o Instituto volta-se para a parte cultural de maneira vigorosa, uma vez
que seus espaços, antes utilizados para exposições de arte, concertos,
palestras, ainda estavam lá, simplesmente esperando ativação, numa
localização privilegiada da cidade, ou seja no Centro Histórico de Porto
Alegre. Pelos próprios do Cultural passaram grande pianistas, atores,
intelectuais, escritores e esta movimentação marcou presença na história da
cidade. Hoje ele novamente se impõe no cenário cultural de Porto Alegre.
Quais são os planos para a atuação cultural do Cultural? Como os artistas
podem enviar trabalhos para participar da programação?
Ao ser convidada a dirigir o núcleo de cultura do ICBNA me pus a pensar em
como poderia tornar o Instituto um lugar onde os artistas se sentissem em
casa, onde fossem valorizados pelo trabalho que desempenham na sociedade. E
isto passaria, necessariamente pelo tratamento que iriam receber do Núcleo.
Atendo pessoalmente os colegas e isto faço com prazer, pois sei o quando é
importante dar visibilidade ao trabalho que se faz. Minha equipe também sabe
disto e é orientada a dar todo apoio aos artistas que lá se apresentam.
Estamos desenvolvendo atividades na área das artes cênicas, música, artes
visuais, cinema. Quem estiver interessa em participar da programação é só
marcar uma entrevista e ai conversamos sobre o assunto.
Como tem sido a presença de público nos eventos promovidos pelo Cultural?
Flutuante. Algumas atividades lotam, outras não, e assim vai. Depende muito
de quem está se apresentando. Mas isto não acontece só no CULTURAL, isto é o
cotidiano de todo espaço cultural da cidade.
Para finalizar, um artista gaúcho.
Regina Silveira. Uma inigualável artista brasileira.
Bela entrevista. LIANA TIMM teve a oportunidade de mostrar toda sua trajetória brilhante. Sim, porque ela tem luz própria e nunca parou de polir a estrela que ganhou ao nascer.
NILVA FERRARO, Porto Alegre, RS 16/10/2009 - 21:07
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