A sétima edição comprova a Bienal do Mercosul como um evento fundamental para as artes em Porto Alegre (principalmente quanto contrastada ao quase-nada que acontece durante os seus entre-pousos). Capaz de revigorar até mesmo aquele prédio agonizante que é o MARGS.
Não vou gastar meus dedos digitando apontamentos sobre a seleção desse ano. Arte se discute, sim, mas foi-se o tempo em que a conversa girava em torno do que é arte e do que não é. O que existe são intenções, e elas são muitas; nem todas pertinentes, eu diria. Algumas se comunicam com maior eloquencia do que outras, outras sequer se comunicam. Algumas extasiam, outras emocionam, outras fazem pensar, refletir (ou tudo isso ao mesmo tempo ou nada disso). Deixo isso pra cada um experimentar e verificar por si mesmo.
O que cabe aqui é perguntar até que ponto e em que/quais sentidos se pode esticar o conceito de “Bienal” para que ele possa conter tudo o que se manifesta como arte contemporânea. Parece-me que, enquanto espaço físico que determina e separa tudo aquilo que se constitui evento ou objeto artístico e enquanto local transitório de acampamento do que se propõe chamar de arte, ela urge algumas considerações.
A primeira: há muito, o que chamamos de “arte” deixou de ser apenas aquele objeto estático envolto em paredes preferencialmente neutras e bem iluminadas (o famoso cubo-branco), exposto à contemplação passiva dos chamados espectadores. Ela deixou de ser só um produto final, fechado, do artista, para se tornar um evento ou processo, uma ocorrência aberta em certo local dentro de um certo intervalo de tempo. Dentro disso, cabe perguntar se os espaços delimitados dentro do contexto “Bienal do Mercosul” estão de acordo com essa nova realidade, e que tipo de guia (ou interferência) eles proporcionam à leitura do visitante.
Por exemplo, veja-se o Cais do Porto: parece que o público habituou-se a esperar dos armazéns um tipo de espetáculo ao estilo “parque de diversões estéticas”: um lugar para lazer e, de quebra, fazer assunto em cima de bizarra experiência proporcionada por trabalhos cujo significado ainda pode permanecer invisível, absurdo ou fictício para a maioria. Da mesma forma, espera-se do Santander uma proposta mais arrojada ou transgressora no sentido tecnológico ou da inclusão de novas linguagens, em virtude de duas exposições marcantes já abrigadas por este prédio: a FILE e a TRANSFER. Pro MARGS, sobram projetos mais convencionais ou, no mínimo, mais alinhados àquilo que, num sentido preso ao modernismo, normalmente se define como obra de arte. Deixando claro que essa estigmatização não desmerece de maneira alguma cada segmento da Bienal e sua organização temática.
Segunda consideração: nessa adequação espaço/obra, caberia perguntar por que, por exemplo, não há um serviço permanente de manutenção da tecnologia utilizada por certos trabalhos. No Santander, uma obra importante como Sharing is a caring map, de Sara Wolfert e Mathias Tervo não poderia parar de funcionar, como também o espaço destinado à instalação sonora de Terence Gower não deveria estar jamais interditado.O mesmo poderia ser dito da máquina Módulo Lunar, de Paulo Lenflídeo, alojado no Armazém “Árvore Magnética”. Em contrapartida, o site da Bienal está muito melhor, apresentando-se como um catálogo dinâmico e interativo, com exibição de documentários e de depoimentos; para quem ainda não sabe, os “projetáveis” podem ser inclusive acessados online. Faltaria exibir os vídeos da mostra Ficções do Invisível em horários pré-estabelecidos nas redes de TV aberta, educativas ou não. (Que tal? Fica como sugestão). Muitos desses vídeos estão no YouTube ou no Vimeo (é o caso, por exemplo, do instigante Lucia, Luis y el lobo, projeção que passa quase desapercebida no Armazém “Absurdo” e do sensível trabalho Veronique Doisneau no Armazém “Ficções do Invisível”). Eu ainda incluiria na minha lista de desejos um DVD-catálogo, que poderia ser em forma de documentário, com entrevistas, um texto condutor bem elaborado, etc. E então, Fundação?
Terceira e última consideração, mais delicada: o compromisso educativo assumido pela Bienal. Parece-me que ainda há algo que não funciona. Apesar dos esforços contínuos e permanentes (conforme afirma o site da Fundação) da Ação Educativa, ouço ainda comentários por parte de educadores e de mediadores no sentido de uma grande lacuna entre uma mostra e outra. Professores se queixam do pouco tempo para se (in)formar, os mediadores se dizem sobrecarregados. O resultado são visitas apressadas, encontros superficiais, alunos dispersos ou entediados, professores e mediadores acuados ou inseguros. De fato, algo falha nesse diálogo entre o evento e a escola. Seria a metodologia de abordagem, ou problemas de organização? Há quem visite a Bienal apenas para cumprir um protocolo disciplinar. Sorteiam uma segmento da mostra, empurram (ou puxam) as crianças de obra em obra em 1 hora de visitação e acham que fizeram sua parte. Por outro lado, a divulgação dos artistas e dos projetos selecionados tem sido feita em prazos muito curtos, dando pouco fôlego para o professor preparar seus alunos.
As considerações feitas aqui são frutos da minha inquietação e do meu desejo de que se realize um objetivo maior: a promoção da arte e da cultura através da integração entre evento, artistas e comunidade. Acredito que, sete pousos depois, gaúchos e portoalegrenses já consideram indiscutível a necessidade de um evento como a Bienal. Resta afinar a dinâmica existente na inter-relação entre artistas/produtores de arte, espaços de veiculação e o público que a prestigia, a quem ela se oferece.
Cara Paula:
Texto muito pertinente.
Sou conselheiro da Bienal e posso dizer que muito tem sido feito na parte educativa, especialmente. Entretanto, são as crÃticas e observações externas que podem nos conduzir a uma correção de rota.
Levarei isso ao Conselho na próxima reunião.
A propósito, grato pelo belo texto sobre a obra de Cláudio Meneghëtti, atualmente em exposição em Paris.
Bj. e abraço.
Paulo
Paulo Amaral, Porto Alegre 20/11/2009 - 13:19
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