|
Música
Sobre os ‘enquantos’ do ‘Violão com a Voz’
Felipe Azevedo
A cantora paulista Monica Salmaso, ao comentar sobre o modo como concebe o canto e conseqüentemente o seu canto na canção, estabelece no seu artigo ‘O Canto dentro da Música’ um parâmetro curioso de sua postura como intérprete: a do “músico que se mistura com o seu instrumento”.
De fato, Salmaso é uma das poucas cantoras brasileiras que consegue com uma habilidade entre o espontâneo e o preciosístico, porém, fruto de inúmeras experiências e reflexões, cantar com o instrumento e não sobre o instrumento descortinando assim os sentidos mais sutis de uma canção.
Sua voz não canta apenas: revela desvelando.
Reconheço nesta cantora uma referência vocoperformática no sentido de que sua compreensão do cantar envolve sempre uma condição simbiótica, integrada, partilhada com o(s) instrumento(s) e mesmo assim, singular.
Todas as suas interpretações trazem esta ‘marca’, se é que se pode chamar de ‘marca’, pois se manifesta de modo tão despojado e generoso, que ‘soa’ como a sonoridade do seu corpo-alma.
Ao fazer do som do ‘outro’ uma extensão sua, seu som revela-se ao ‘outro’, extensão idêntica, quase que num passe de mágica.
Talvez resida aí a lição deste malabarismo sutilíssimo: cantar percebendo-se no quase possível outro (eu no outro – o instrumento violão) e reencontrando-se revelado (no quase possível outro- o instrumento violão) em novo eu, numa alquímica mistura integrada, mesmo que solo: violão com a própria voz.
Para isto acontecer naturalmente são necessárias horas e horas de ‘timbragem’ entre ambos – violão com a voz; voz com o violão. Apropriar-se do outro sem sufocar o som (do outro e seu), apenas ocupando, partilhando espaços possíveis e descobrindo neste encanto os próprios ‘enquantos’ de cada voz: a do outro (o seu violão) e a sua (o próprio canto).
Para fins ilustrativos do exposto no texto, disponibilizo em mp3 para download a canção de minha autoria intitulada 'TEMA PARA UM COMPASSO DE ESPERA' interpretada por mim ao violão e por Monica Salmaso na Voz. Esta canção consta no CD 'PERCUSSÌVÉ ou a prece do louva-a-deus'.
* este texto é parte integrante do Ensaio do meu LIVRO-CD-CDROM - TAMBURILANDO CANÇÕES - FELIPE AZEVEDO - VIOLÃO COM VOZ!
*SALMASO, Monica. O canto dentro da música. Ensaio. São Paulo: 2007. Disponível em <http://musicosdobrasil.com.br/ensaio.jsf >
07/04/2010
Comentários:
a pergunta do primeiro comentarista, materializa um espanto que me permito traduzir assim: seu texto, felipe, chega perto de uma mini-metafÃsica do canto (da voz na canção), já que procura interpretar de modo preciso os lances imprecisos de uma beleza dificÃl que a mônica faz simples. muito legal.
ronald augusto, porto alegre, rs 23/05/2010 - 09:55
PreciosÃstico, Corpo-alma, Vocoperformática, "enquantos"... Vocês fumaram o q?
Ademir Machado Cerico, Porto Alegre 04/05/2010 - 00:12
Felipe,
Belo texto!!! A musicalidade da Monica Salmaso realmente é mt especial, assim como a sua. Que orgulho de ter te encontrado neste mundão da internet!
Abs,
Amanda Garruth
Amanda Garruth, SJM / RJ 27/04/2010 - 15:18
O texto do Felipe lembra aquele haikai do Matsuó Bashô em que a cigarra se canta toda, uma entrega total. Na música disponibilizada (ouço o cd), voz e violão, cada um entra com o que lhe cabe de forma milimetricamente precisa, é ouvir e constatar. E isso sem afetamentos ou malabarismos excessivos que chamassem para fora do movimento da canção. Não se chega a algo assim sem experiência e muito trabalho.
Sidnei Schneider, Porto Alegre (RS) 14/04/2010 - 22:12
Adorei o site!
Não consegui ser seguidora, pois entendo pouco de internet.Espero que voces mandem notÃcias através do meu blog.
End: deparisasaoborja.blogspot.com
marta, poa 08/04/2010 - 17:05
Esse 'enquanto' me soa também um continuar-a-ser. O continuar-a-ser sonoro que vai do violão à voz, e da voz ao violão. Da voz entre as fibras da madeira, mentre - como diriam os italianos para "enquanto" - as cordas vocais do violão cantam a voz que convoca o outro. A voz movimenta o mundo interno e o externo, (em)quando tamburila com o violão o continuar-a-ser das canções. Não seria este movimento a própria pulsação? Um continuo revisitar daquela pulsação, nossa velha conhecida, na altura do timo?
Sem dúvida aguardamos ansiosos o lançamento de mais um trabalho primoroso como este que o Felipe Azevedo tem feito.
Parabéns por mais este trabalho!
Cristian Marques - Editor / Modelo de Nuvem Editora, Porto Alegre - RS 08/04/2010 - 07:52
Enquanto li, resgatei a impressão de que no "enquanto" é que reside o maior valor de uma busca, tanto na arte como na vida.
Obrigada por este enquanto!
Um abraço!
Bianca
Bianca Obino, Porto Alegre 07/04/2010 - 19:32
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
|
|
Felipe Azevedo
Felipe Azevedo é compositor e violonista, premiado com 5 prêmios Açorianos, além de prêmios em festivais locais e nacionais. Licenciado em Música (IPA) e Letras (PUC), o músico também estudou Harmonia, Contraponto e Forma e Análise com Fernando Mattos; Harmonia e Improvisação com Cristiano Kotlinski; técnica violonÃstica com Eduardo Castañera e atualmente recebe Orientação Vocal aplicada ao seu trabalho de compositor com Lúcia Passos. Com 03 álbuns lançados Felipe está em fase de finalização de seu novo CD – Tamburilando Canções – Felipe Azevedo – Violão com Voz, prêmio FUNARTE – RJ.
|
Colunas de Felipe Azevedo:
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.
|
