Semana passada, participei de um curso sobre voz com Cida Moreira. Confesso que sou fã dessa artista maravilhosa e estava um pouco apreensivo comigo mesmo. Um comportamento de fã diante de seu ídolo seria o mais apropriado num curso em que a relação a ser estabelecida seria aluno-professor? Ainda sinto-me nas nuvens quando penso que num certo sábado do ano passado assisti a um dos melhores shows musicais da minha vida! Um piano de cauda, um conhaque, algumas rosas, Arthur de Faria, iluminação e sonorização perfeitos e ela: CIDA MOREIRA!!!
Uma das maiores intérpretes do Brasil veio a Porto Alegre nos dias 15, 16 e 17 de Maio de 2009, no Instituto Cultural Brasileiro-Norte-Americano, nos presentear com suas magníficas interpretações num recital de piano e voz intitulado “Canções para Cortar os Pulsos III”. Como a própria Cida explicou, ela não canta nada que não a faça “cortar os pulsos”. Disse que precisa de emoção para cantar e, indubitavelmente, isso se reflete em sua voz que nos leva do riso às lágrimas como num passe de mágica. Pois a voz de Cida Moreira é mágica. Na música que cantou em parceria com Arthur de Faria, músico convidado do show, Cida emitiu um agudo que quase me fez levantar da cadeira.
E, assim, Cida foi brincando com sua voz e brincando com nossas emoções, misturando voz cantada com voz falada, gritos rasgados com suspiros límpidos, canto popular com jazzístico e até lírico, ultrapassando as fronteiras da extensão vocal, mostrando a infinidade da gama de emoções que a voz humana tem para oferecer. Sem dúvida, ouvir Cida Moreira é ter uma aula de como expressar emoções verdadeiras através da voz. E chamar Cida de cantora é menosprezar o seu riquíssimo trabalho interpretativo construído através de seus longos anos de carreira. Cida sabe dominar o palco mesmo sentada ao piano sem mover nada mais que seus dedos, seu diafragma e seu aparelho fonador. Ao fechar meus olhos, parecia que ela estava no auge da interpretação, exaurindo-se fisicamente. Mas ao abrir os olhos, percebi que ela estava lá, sentada ao piano, movendo o mínimo de músculos, expressando o máximo de sentimentos.
O repertório de Cida foi composto principalmente por trechos de musicais, árias de óperas contemporâneas e canções que, mesmo sem serem necessariamente compostas para fins cênicos, possuem uma força dramática muito forte e que Cida consegue extrair como ninguém, enxugando até a última gota de dramaticidade, honrando o título do show, sem nos deixar qualquer outra possibilidade a não ser nos emocionar. O olhar cúmplice com o público, a segurança, a emoção à flor da pele, o dizer que não vai cantar e acabar cantando, a improvisação, o choro, entre outras coisas mostradas no show faz de “Canções para Cortar os Pulsos III” uma experiência dramático-musical sublime, mostrando inexistir barreiras entre a Música e o Teatro, elevando a Arte acima de qualquer dissidência ou barreira, exaltando a excelência do trabalho do artista que se entrega à sua Arte, conduzindo o público a um estado catártico, deixando a Arte cumprir o seu papel.
Cida revelou no meio do show que preferiu não cantar mais trechos das peças de Brecht, compostas pelo maravilhoso Kurt Weil. Mas mesmo que Cida não cante mais Kurt Weil para não cair no discurso político ou irônico, mesmo que não cante mais Beatriz, por já ter esgotado suas emoções em relação a ela, não tendo mais o que oferecer a não ser repeti-las, a poesia das canções ainda permanece e a entrega verdadeira do artista é o que transparece nesse show de Cida Moreira. É isso que interessa a ela no momento, e é disso que o mundo precisa: mais poesia! Mesmo sem querer ser política, Cida acaba sendo, pois inconscientemente sabe exatamente do que o mundo precisa atualmente e nos entrega, inteiramente, através de sua Arte!
As duas horas do show pareceram dois minutos apenas. Poderia viver uma vida escutando Cida Moreira. Um bis também é muito pouco. Já conhecia a sua versão para “Summertime”, com a interpretação forte e marcante, recheada de gritos que me emocionam muitíssimo cada vez que ouço. Porém, como uma marca presente durante todo o seu show, Cida improvisa, tamanho é o domínio de sua Arte, e nos deixa ir para casa com uma versão lullaby, quase uma canção de ninar de “Summertime”, lembrando sempre que a humanidade precisa de poesia. E nós precisamos de Cida Moreira. Sempre!
Quanto ao curso ministrado por ela, Cida nos olhou como artistas. E ao mesmo tempo em que nos dava um pouco de sua água preciosa para bebermos dela avidamente, também sorvia um pouco da nossa, mostrando uma humildade e generosidade típicas de grandes artistas. Foram quatro dias de muitas risadas, emoções, histórias e música. Cida nos ensinou a emitir a voz que vem do corpo, da carne, dando sons aos nossos sentimentos e transformando-os em música. O Porto Alegre Em Cena está aí. E Cida estará presente no palco e na sala de aula. E lá estarei eu, mais uma vez, absorvendo a poesia necessária para a vida de qualquer ser humano.
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