Abstraindo todo o resto, a subjetividade do protagonista e as (extremas) nuances do ambiente e do momento histórico, se poderia batizar este livro, alternativamente, como “Diário de um traíra”. Mas claro, não teria sentido ler criticamente “Filho do Hamas”, de Mosab Hassan Yousef, apenas para simplificar assim este relato em primeira pessoa do jovem Mosab, filho do xeique palestino Hassan Yousef, talvez a mais forte liderança espiritual e moral de boa parte dos militantes palestinos, em sua resistência contra os avanços de Israel.
Editado pela Sextante, com 288 páginas, incluindo notas explicativas e prefácios, o livro narra em linguagem simples e direta a trajetória do autor desde uma posição radicalizada contra a ocupação israelense (e seus muitos desmandos contra os árabes da região), até a completa transformação em colaboracionista e agente secreto do Shin Bet – a agência de segurança do estado judeu.
Garoto que jogava pedras nos tanques israelenses, ao tempo das primeiras intifadas, Yousef cresceu na Cisjordânia ocupada por Israel, num caldo de cultura que misturava várias organizações de resistência palestina. Da então majoritária e leiga OLP/Fatah, de Yasser Arafat, passando pela FDLP e a FPLP (ambas marxistas-leninistas), a Jihad Islâmica e suas congêneres Brigadas Ezzedeen Al-Qassan e Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, até o religioso e poderoso Hamas – que por falar nisso terminou tirando a Faixa de Gaza das mãos do grupo de Arafat, acusado de corrupção, numa verdadeira guerra fratricida. Entre as duas, vários outros grupos e entidades, que iam da extrema esquerda até organizações moderadas, de caráter muçulmano ou não.
Cristianismo
Para além da trajetória confusa de Mosab, que paralelamente à colaboração com os israelenses, também converteu-se ao cristianismo (ao descobrir uma Bíblia escrita em árabe, na prisão), o livro é útil por dar um panorama geral, mas detendo-se em detalhes importantes, da situação caótica em que vivem árabes e judeus naquele espaço de terra árida – mas tão aguerridamente disputada. “Filho do Hamas” é rica em informações sobre personagens do conflito desde a década de 20 do século passado, com o fim do Império Otomano, contando ainda com glossário e notas sobre atentados históricos, avanços e recuos nas negociações de paz, etc.
Nascido em 1978, o jovem Mosab vive há dois anos nos Estados Unidos (onde, segundo ele mesmo, “não consegui encontrar um emprego em tempo integral e praticamente me tornei um sem-teto”). A seu favor, argumenta que tudo o que fez, fez na tentativa de evitar ainda maior derramamento de sangue, numa escalada de violência para a qual, de fato, continua difícil enxergar uma solução digna e justa. Também é verdade que para isso correu sério risco de vida, como espião no meio dos militantes islâmicos – assim como nas prisões israelenses e nas ruas conflagradas da Cisjordânia, frente a soldados que não sabiam de sua condição de colaborador.
Pontes queimadas
Mas, outros palestinos que não acreditavam ou não acreditam nos atentados terroristas e na violência como maneira de superar a prepotência de Israel, engajaram-se em movimentos políticos e pacifistas. Já o filho do xeique Hassan, nos dez anos em que viveu esta dupla condição, enriqueceu com o dinheiro israelense, chegando a ganhar cerca de dez vezes mais que o padrão normal da população palestina. Quando resolveu abrir o jogo e dispensar as benesses dos seus empregadores israelenses, já havia queimado todas as pontes. Encontrou uma saída, ao que tudo indica, nas palavras de tolerância de Cristo. Porém, para seus irmãos palestinos, provavelmente seu nome continuará sendo um sinônimo da palavra traidor.
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