Ao observar antigas fotografias urbanas, não raramente nos deparamos com algum Restaurante Progresso, Sapataria Progresso, Açougue Progresso... Natural que assim fosse – e que assim seja – pois através de sua história o ser humano vem experimentando, consciente ou inconscientemente, o desejo de progredir, crescer, desenvolver seu negócio, melhorar de vida e de dinheiro. Me parece ainda que este espírito ficou especialmente atiçado a partir do desenvolvimentismo dos anos 50 do século passado, os famosos Anos JK, em que sob a inspiração da construção da nova capital brasileira, em pleno – e até então isolado - Planalto Central do país, uma febre de progresso e avanços em todas as áreas fez subir a autoestima nacional.
Ao mesmo tempo em que o governo impulsionava a implantação de fábricas de automóveis,em que a petróleo era nosso, em que Volta Redonda fornecia o aço para os grandes empreendimentos, afirmava-se também nosso futebol mágico e campeão mundial. A Bossa Nova magnetizava Nova York, o Cinema Novo ganhava a Palma de Ouro em Cannes e começava a consagrar a geração de Glauber Rocha, o teatro batia recordes de apresentações, questionamentos e inovações, os movimentos sociais avançavam no sonho de um país menos desigual, e assim em todas as áreas, em especial no espírito do povo brasileiro, em cada canto distante do país.
Não por acaso, surgiram papelarias, fundições, fruteiras Progresso. Mas também espalhavam-se, neste rastilho de esperança em novos tempos, as mercearias, aviários, padarias, oficinas e outros empreendimentos com o nome de Alvorada. Que replicava o mesmo sentido de Progresso, representando ambas as palavras a fé em dias melhores que começavam a raiar.
Limites concretos
Tudo, porém, termina encontrando seus limites, e havia poderosos setores que temiam tantas mudanças. Em 1964 teve início um período de repressão militar, que enquadrou todos os segmentos sociais, que a arte limitou, que a imprensa censurou e calou, que aos espíritos inquietos, rebeldes e inovadores cassou, perseguiu, prendeu ou exilou – além de coisas piores. Grande parte da sociedade brasileira, deve-se dizer, apoiou a ditadura em seus primeiros momentos. Aos poucos, os efeitos nocivos do arbítrio impuseram-se sobre suas possíveis virtudes.
Progresso? Bem, tirando alguns momentos em que as classes médias viveram o sonho do chamado “Milagre brasileiro”, com o decorrer do tempo já poucos colocavam uma placa sobre seu estabelecimento com o nome de Progresso ou Alvorada. De uma maneira ou de outra, na consciência da maior parte do povo brasileiro, outras palavras-conceitos foram ao longo dos anos ganhando espaço: Resistência, Transição, Abertura, Liberdade... Democracia! Estas, no entanto, não podiam ser pintadas sobre a fachada das lojinhas.
O resto é história. Quanto ao progresso, outros motivos – mais amplos, profundos e urgentes – fizeram com que o termo já não fosse tão atraente e unânime quanto em outros períodos. Caso é que a noção de progresso como um processo de crescimento (físico, econômico, empresarial, de consumo) sem barreiras, esbarrou nos limites muito concretos da própria natureza.
Vocábulo insustentável
Uma série crescente e interminável de desastres ambientais, secas prolongadas demais, chuvas em excesso, tufões onde isto não existia, buracos na camada de ozônio, aquecimento global, derretimento de calotas polares, rios e lagos poluídos, envenenados e semimortos, queima em excesso de combustíveis fósseis, lixo não degradável que lança um problema e uma incógnita para o futuro de todos, ilhas de dejetos a boiar nos oceanos - e muito, muito mais – obrigaram a um repensar.
O mundo inteiro vive hoje, aos trancos e barrancos (e haja barranco pra desabar em áreas de risco!), um processo de tomada de consciência de que nosso planeta e suas riquezas não são intermináveis. Engarrafamentos gigantescos nas grandes cidades são um desafio aos administradores e planejadores urbanos. As cidades menores que ainda não sofrem – muito - com estes problemas, não perdem por esperar.
Por tudo isso, outros vocábulos pedem passagem nos dias de transformação que vivemos. Preservação, Equilíbrio, Ecologia, Consumo Consciente, etc. As agendas políticas, sociais e econômicas hoje são obrigadas a incorporar a palavra Sustentável – mesmo que para muios administradores, políticos e empresários, esta seja, ainda, apenas mais uma expressão vazia ou uma forma de oportunismo.
Claro que continuam existindo, Brasil afora, sólidas empresas batizadas de Progresso. Porém, tudo indica que o real progresso – nas relações humanas, sociais e ambientais – só continuará a ter sentido se levar em conta, para valer, uma visão mais ampla de nossas ações e de suas consequências. O resto é apenas uma palavra, com a pintura descascada, em alguma velha fotografia.
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