Quem diz que a vida do artista é fácil, definitivamente não sabe o que diz. Acordar cedo para ensaiar, para gravar. Ter de conciliar ensaios e apresentações com seu emprego “caretinha” (porque, infelizmente são poucos os artistas que vivem só de arte). Quase perder o emprego por conta disso. Ou ter de estar sempre procurando desesperadamente por trabalho para que, juntando os cachês, dê para pagar as contas mensais. É um trabalhinho aqui, uma substituição ali, uma madrugada sem dormir, finais de semana focados no evento, verão sem praia. Férias é uma palavra que poucos artistas conhecem. Soma-se a isso a exigência da profissão. Aprimoramento técnico constante: aulas, oficinas, seminários. E o mais difícil de tudo: artista trabalha com coisas subjetivas. Inspiração, emoção, sentimento são matérias-primas do nosso trabalho. O desgaste físico e emocional de um artista está sempre em níveis elevados.
Isso é tudo muito bem retratado no filme Cisne Negro, que está dando o que falar. Não vou comentar tecnicamente, até por cinema não é a minha área artística de formação. Só posso dizer que Natalie Portmann está perfeita e isso casa muito bem com o próprio tema do filme, que discute justamente as adversidades por que um artista passa em seu ofício. No entanto, não posso deixar de criticar uma coisa. Não é apresentado no filme o prazer que o artista sente ao exercer seu trabalho. Todas as adversidades que citei acima são recompensadas por causa dele. Da mesma forma que a nossa matéria-prima para a criação é subjetiva, a satisfação que a arte nos dá também o é. Não há como explicar o prazer de subir ao palco (ou entrar num estúdio ou atelier, dependendo da arte) e fazer aquilo para que nascemos. E quando isso vem acompanhado do reconhecimento do público, o prazer é ainda maior. O artista não é nada sem o seu público. É na relação que estabelecemos com ele que se dá a verdadeira arte.
Como sabem, sou ator de teatro. No entanto, há alguns meses, venho criando um show musical chamado CALE-SE – As Músicas Censuradas Pela Ditadura Militar. Como o próprio nome diz, o espetáculo traz músicas que foram proibidas na época do governo militar, apresentando os motivos da Censura Federal para o veto das canções, bem como seu funcionamento e curiosidades do período, criando um diálogo bem interessante entre teatro e música. A primeira apresentação desse espetáculo foi em 16 de dezembro de 2010, no Teatro de Arena, com casa lotada. Decidi, então, colocar o projeto no Porto Verão Alegre deste ano de 2011. Pouquíssimos ensaios, horas vagas dedicadas à divulgação do evento, pouca grana para produzir, e até esse fator se soma ao estresse do artista: infelizmente, muitos colegas de profissão se auto-produzem, visto que a figura do produtor cultural ainda não se faz presente em número satisfatório, pelo menos em Porto Alegre. E como se não bastasse, problemas técnicos ainda aconteceram no último dia do evento nessa temporada, fazendo com que nossa apresentação acontecesse em uma versão desplugada, ou seja, totalmente na força do gogó.
Tudo isso para quê? Por que nos esforçamos tanto? E para quem? Muitos irão dizer que o que o artista quer é emocionar o público (ou pelo menos causar alguma sensação nele). Eu também acho que essa é a missão do artista. Mas e quando acontece o contrário? E quando o público é quem nos emociona? Na hora dos problemas, no meio do show, o público foi extremamente compreensivo e, em vez de deixar o teatro e pedir o valor do ingresso de volta, nos incentivou a continuar, mesmo sem aparelhagem técnica. E a emoção rolou solta. Em uma das músicas interpretadas por minha colega, a platéia cantou em coro, fazendo com que eu tivesse de me segurar para não chorar, pois ainda tinha de cantar mais uma música. No entanto, executei a canção com a voz embargada pela emoção. Ao final, o público aplaudiu efusivamente de pé, quase imploraram pelo bis (duas vezes), deixando todos os artistas desse show emocionados. Não há como explicar a magia dessa relação do artista com seu público. É subjetivo. E nos dá um prazer e uma satisfação que não se pode medir em cachês ou estresses. Só o que posso dizer é que lava nossa alma e nos faz continuar nessa profissão ingrata, porém extremamente prazerosa ao mesmo tempo. É pelo público que o artista persiste em realizar seu ofício, não só para emocioná-lo, mas para também se emocionar com ele. E assim, a arte realiza sua principal função: transformar. Não apenas o público, mas também os artistas que trabalham por ela.
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