O título dessa coluna pode parecer estranho, visto que há mais de 25 anos vivemos numa democracia, com direito à liberdade de expressão tão almejada por todos os brasileiros por muito tempo. No entanto, proponho uma breve reflexão, haja vista meus últimos trabalhos na área artística: CALE-SE – As Músicas Censuradas Pela Ditadura Militar e Navalha Na Carne. Além disso, ainda estou pesquisando sobre a censura em textos teatrais arquivados no Espaço Sonia Duro do Teatro de Arena. E, imerso nesse universo, pergunto-me constantemente: ainda existe censura nos dias de hoje? Se sim, que tipo de censura vivemos hoje em dia?
Primeiramente, devemos entender que a censura às diversões públicas, sejam estas teatro, dança, cinema, música, telenovelas, e mesmo programas informativos e culturais de rádio e televisão, assim como textos publicados em mídia impressa, sempre existiu. Desde o papel de mantenedora dos valores éticos e dos princípios morais (motivos alegados na criação do serviço censório na década de 1920), passando pela preocupação com a manutenção da ordem política e da segurança nacional (justificativas incorporadas na reestruturação do organismo censório na década de 1960), até a extinção da censura de diversões públicas pela constituição brasileira, em 1988, a estrutura censória auxiliou o governo federal, pretendendo preservar os valores morais e manter a ordem vigente.
Ora, toda e qualquer manifestação cultural deriva da necessidade do homem de se expressar, de se comunicar, uma vez que a cultura é um código através do qual as pessoas pensam, refletem, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. No contexto do governo militar no Brasil, que vai de 1964 a 1985, em que o controle político e moral sobre essas manifestações foi ainda maior, pois que a cultura tornou-se instrumento de luta e de resistência, as manifestações e movimentos culturais, em sua maioria politicamente engajados, foram resultado da capacidade criativa dos artistas locais aliada às circunstâncias de duas décadas de muitas transformações políticas e sociais no Brasil e no mundo.
Com relação ao teatro, Yan Michalski, em seu livro O palco amordaçado, menciona o receio que os militares tinham em relação ao "teatro livre" e registra que esta arte em especial foi entendida como "um dos inimigos públicos mais declarados, e, por conseguinte, tratado com sistemática desconfiança, hostilidade, e não raras vezes brutalidade”, identificado como uma ameaça à Segurança Nacional. (MICHALSKI, 1979, p. 9-11). Posso afirmar que a censura ao teatro dava-se de forma sistemática e muitas vezes sem critérios lógicos, dada a pesquisa que realizo no momento: A censura no teatro porto-alegrense: histórias escondidas no Espaço Sonia Duro do Teatro de Arena,contemplada com o Prêmio Décio Freitas com financiamento do FUMPROARTE.
Porém, hoje em dia, mesmo com a extinção do Departamento de Divisão de Censura de Diversões Públicas, ainda sofre-se certo tipo de censura. Seja pela atual política brasileira de patrocínio na área cultural, na qual a arte é usada para promoção de marcas ou instituições; seja pela “mercantilização” do teatro atual que transformou peças teatrais em meros produtos para comercialização, nem tudo que é criado na área teatral chega a ir a público e fazer com que eles reflitam e possam, assim, transformar.
Afinal, a arte sempre foi um instrumento de desalienação, e, nos dias atuais, acaba por trazer à reflexão o indivíduo contemporâneo resultante de relações “líquidas” que o tornam cada vez mais autossuficiente. Numa época de desesperanças como hoje vivemos, onde a liquidez das relações se faz cada vez mais presente, a arte vem nessa contrapartida, ainda estimulando a reflexão, permitindo que o homem contemporâneo tenha a oportunidade de olhar para o seu semelhante, reconhecê-lo como tal e, assim, aprender a respeitá-lo. Pois, este é o verdadeiro papel da Arte: provocar a transformação. Portanto, convém ao leitor desta coluna uma posterior reflexão sobre a atual situação da arte e que tipo de censura ela sofre nos tempos atuais.
Referência:
MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Depoimentos, 1979.
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