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Por que a escola não está conseguindo formar leitores?
Jacira Fagundes

São chamados  analfabetos funcionais os indivíduos que, embora saibam reconhecer letras e números, são incapazes de compreender textos simples, bem como realizar operações matemáticas mais elaboradas. No Brasil, conforme pesquisa recente feita pelo Instituto Pró-Livro, 50% dos entrevistados declararam não ter formado o hábito de ler livros por não conseguir compreender seu conteúdo, embora sejam tecnicamente alfabetizados.

Tal conceituação, diferente do que se entendia anteriormente por analfabetismo, cuja visão era  limitar a competência na leitura ao  nível do “ler e escrever enunciados simples referidos à vida diária”,  foi abolida desde 1978.  Tornou-se indispensável que a alfabetização passasse a  abrigar graus e tipos diversos de habilidades, de acordo com as necessidades impostas pelos contextos econômicos, políticos e socioculturais, considerando a complexidade de vida nos diversos setores da sociedade.

A competência básica pretendida nos idos de 1958 pela UNESCO, está relacionada,  hoje, ao fator de exigência  das competências que todas as pessoas, em princípio deveriam dominar, sejam elas simples ou complexas.

Entretanto, nosso sistema escolar ainda limita-se   às práticas de leitura e de escrita  exercitadas e avaliadas pelo que dita puramente o sistema. O  aluno sai da escola, ao fim dos estudos -  do Ensino Fundamental ao Ensino Médio -  carregando o fantasma do analfabetismo, contrariando assim o mito de que o analfabetismo funcional  estaria exclusivamente relacionado à baixa escolaridade.

Nossa política educacional e em extensão a sociedade em geral, acredita que cabe somente à escola o papel de alfabetizar e letrar.  É uma visão curta e superada: letramento é uma prática presente em diversas situações do cotidiano, que envolve não apenas a leitura tecnicista de textos, mas essencialmente o desenvolvimento da criticidade. A aprendizagem oferecida pela  escola deveria ser universalizada, propiciando que todo o alunado tivesse atingido o nível pleno da alfabetização funcional ao finalizar os estudos, capacitando-o à continuidade do ler e escrever para além das paredes escolares, nos lares e na comunidade onde atua.

A função da leitura, entre tantas outras funções, é aventar com possibilidades de invenção do mundo, e para tal precisa criar espaço para pensar, discordar, duvidar, sugerir, reorganizar e até transgredir. Espaço para o contraditório e a ambiguidade, para o diálogo entre a obra e a experiência pessoal, para a identificação e a estranheza, para o conhecido e o diferente, o que o livro didático e o livro paradidático, trabalhados à exaustão nas classes escolares não propiciam.

Quanto mais leituras o texto literário suscitar, maior será a sua contribuição para a informação e formação daquele que lê:  ler e entender; ler e refletir; ler e interagir com o texto; ler por prazer; ler e viajar; ler e estabelecer parâmetros; ler e se emocionar, ler e se posicionar e tantas outras posturas frente ao ato de ler.

 Não só ao professor de Português cabe inserir tais aspectos no ensino-aprendizagem, o que constitui prática comum nas escolas. Ainda não chegamos ao ideal de a leitura poder constituir-se na  grande aliada para o professor de qualquer tópico ou disciplina. Pelo andar do ensino público, em especial, mas não só por este, a distância desse ideal é desanimadora.

Seria o desinteresse da escola em ir além do currículo estabelecido,  o principal motivo do mau resultado escolar que vem se estabelecendo no país? O pouco comprometimento com o livro e a leitura no espaço  escolar vem contribuindo para o  crescimento do índice de  analfabetismo funcional? A competência da escola quanto à formação do leitor seria algo inatingível? Uma falácia?

São perguntas que me faço, junto a algumas possibilidades de encarar sugestões.

Caberia, com urgência, uma  avaliação das propostas governamentais quanto ao ensino nas escolas públicas  nos diferentes setores - Federais, Estaduais e Municipais. Talvez coubesse a decisão inconteste em apresentar expectativas menos aventureiras do ponto de vista político e mais realísticas do ponto de vista das condições precárias oferecidas às escolas. De nada adiantam as vultosas somas investidas na aquisição e distribuição de livros, sem a implementação de ações que  acompanhem, contabilizem, vigiem e avaliem  o processo, porém de baixo para cima.  Porque de cima para baixo tem se constatado orientação  ineficiente, senão nula.


04/07/2017

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Comentários:

Caros interlocutores, estou dando sequência ao assunto abordado nesta coluna na nova coluna aqui no site intitulada "O professor frente à leitura". Leiam-na, e por favor, voltem aos comentários. Obrigada!
Jacira Fagundes, Porto Alegre 11/09/2017 - 15:09
Realmente Jacira, o ensino está a desejar, eu que gosto muito da língua portuguesa e estou sentindo falta de conteúdo, as escolas deveriam dar mais aprofundamento no estudo, principalmente quando se trata de português, para formar cidadãos mais cultos e que se expressem bem na escrita. Abraço.
Adenilson Selestrino dos Santos, Arapoti - Paraná 11/09/2017 - 09:24
Jacira gostei muito do teu artigo e concordo plenamente com tudo o que escreveste.Eu acrescentaria ainda que o Sistema Educacional Brasileiro não considera a Educação como investimento e sim como gastos.Isto interfere nas escolas, na formação e salário dos professores.Em alguns comentários foi acrescentado que o professor não lê.Como o professor vai ler se não tem recursos para comprar livros e nem tempo para ler se anda num corre corre de uma escola para outra.As autoridades governamentais não aparelham as escolas com recursos e bibliotecas.Vemos na atual situação do país o Presidente encolhendo cada vez mais as verbas para a educação.Os jovens além de analfabetos funcionais na leitura não sabem escrever.Por isso vemos o fracasso nas provas de redação do ENEM.
Suely Braga, Osório RS 27/08/2017 - 11:10
Léo, antes de mais nada, obrigada por teu comentário. Mas não acho que seja simples assim, meu caro. Este é um dos aspectos determinantes que não incluí para não culpar somente o professor. O sistema é cruel, uma visão conteudística, falta de treinamento para professores, bibliotecas escolares com profissionais sem habilitação, prédios sem condições e por aí vai.Mesmo os professores que leem encontram as mesmas dificuldades. Um sistema de cima para baixo que gasta com aquisição de livros, envia para as escolas indiscriminadamente e não avalia o processo é o maior causador do analfabetismo funcional.E algumas escolas particulares, com exceções, claro, tem o desempenho semelhante. Abraços
Jacira Fagundes, Porto Alegre 05/07/2017 - 22:02
Ao ler o título, me veio uma resposta simples: a escola não forma leitores porque os professores não são leitores. Muito simples para ser verdade?
Léo Ustárroz, Porto Alegre 05/07/2017 - 20:39
Tânia querida! Muito bom ser lida por ti, uma professora brilhante, interessada, que tem no magistério uma luta constante pelo saber,com a dedicação que eu presenciei por mais de uma vez. Obrigada! Meu abraço amigo!
Jacira Fagundes, Porto Alegre 05/07/2017 - 15:02
Que delícia! Ao ler o seu texto senti-me conversando com você. Comungo com você o dilema e a angústia de ver meus alunos engatinhando no campo da leitura e do letramento. Penso que todos fatores alegados por você são legítimos, porém agregaria o fato de termos professores não leitores. Não podemos conquistar seguidores se não fazemos o que pregamos, pois acredito que não se educa se não pelo exemplo. Um grande beijo
Tânia Lourenço, Canela/RS 05/07/2017 - 14:06

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  Jacira Fagundes

Jacira Fagundes é professora e escritora. A trajetória literária, encarada como ofício, teve começo em 2002, com a premiação do conto “Noite fria de vigília”, quando do lançamento do Prêmio Literário Nova Prova – 20 anos. Ficou entre os quinze autores selecionados e seu texto foi publicado em obra da Editora.

jfagundescritora@gmail.com
www.jacirafagundes.com


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