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Televisão

Yabba-Dabba-Doo
Solon Saldanha

Do ponto de vista da duração da série animada, foi curta a vida daquela família na televisão. Evidente que tal afirmação só pode ser feita se a comparamos com algumas das séries atuais, que superaram em muito a sua marca, mas não para a época. Foi exibida com 166 episódios inéditos apenas entre 1960 e 1966, apesar de que até hoje se consegue assistir suas reprises. Me refiro a Os Flintstones, uma criação de William Hanna e Joseph Barbera, que foi assistida por mais de 300 milhões de espectadores em pelo menos 80 países, com dublagem em 22 idiomas diferentes. O que, convenhamos, não é nada insignificante.

O desenho nos permite acompanhar a vida diária de uma família classe média, numa cidade que existia com características modernas apesar de tudo se passar em plena Idade da Pedra. Era em Bedrock – algo como “Canteiro de Pedras”, em inglês – que viviam Fred, sua esposa Wilma e um pequeno dinossauro de estimação, uma espécie de cãozinho do casal, chamado Dino. Mais tarde surge Pedrita, uma garotinha filha deles. Compõe ainda o grupo de personagens, como coadjuvantes, seus vizinhos Barney Rubble, com a esposa Beth, que também têm um bicho em casa, este sendo um estranho híbrido de dinossauro com canguru, chamado Hoppy. Estes depois têm um filho, com o passar da história, a quem dão nome de Bam-Bam. Nas últimas animações as crianças haviam crescido e formado um casal de namorados.

Quando a série surgiu, na ABC, trazia como novidades estar em rede nacional e horário nobre, com duração de 30 minutos cada um dos episódios completos. O que era algo surpreendente, porque até então desenhos animados eram muito mais curtos e em pontos da grade de programação dedicados a um público infantil. Os Flintstones buscavam agradar toda a família. O sucesso foi imediato e não demorou muito para que tanto seus personagens quanto a trilha musical fossem incorporados à cultura popular norte-americana. O que permitiu uma identificação imediata foi o fato das pessoas poderem se enxergar nos episódios, pois o dia a dia dos personagens era semelhante à realidade cotidiana da classe média norte-americana de então. O pai trabalha fora, a mãe se dedica aos afazeres domésticos e as preocupações de todos são com a manutenção do emprego, o conforto doméstico, a estabilidade familiar.

Fred trabalha numa pedreira, para onde vai todos os dias dirigindo um carro que também é feito de pedra, como tudo. O interessante é que não existe motor, sendo a tração as próprias pernas do condutor e de outros eventuais ocupantes. Na casa, os “eletrodomésticos” são todos animais domesticados, que realizam as tarefas. São eles que movimentam ou mesmo cumprem as funções do chuveiro – um mamute que joga água com sua tromba –, do aspirador de pó, da enceradeira e até mesmo de um abridor de latas – obviamente, o bico de uma ave pré-histórica. Seus aparelhos telefônicos eram fixos e feitos de pedra, como quase tudo. Até mesmo as páginas do jornal que liam eram desse material, o texto sendo “esculpido”. Imensas rochas ocas serviam de moradia e a moeda vigente era a Lasca.

Em muitas das histórias os amigos Fred e Barney, que além de vizinhos são colegas de trabalho, tentam aprontar alguma coisa, enganando as esposas. Mas sempre para atividades quase ingênuas, típicas de homens ainda solteiros, como dar alguma desculpa para saírem e jogar boliche ou assistir um jogo com seus amigos. Nunca dá totalmente certo e eles terminam sendo descobertos. Além disso, o personagem principal também se notabilizou por dois gritos muito pessoais e característicos: o “Yabba-Dabba-Doo” era reservado para momentos de euforia, de felicidade plena, de alegria incontida; o “Wilmaaa” era guardado para momentos de desespero ou, no mínimo, para quando a presença da esposa era indispensável para que ele resolvesse alguma situação na qual ele se metera.

Provavelmente todos nós já tivemos a oportunidade de conhecer essa turma. E talvez até tenhamos invejado o fato de que entre eles o amor sempre prevalece, nunca sendo abalado pelos problemas diários, sejam reais ou imaginários. Uma família de “publicidade de margarina”, com deslizes pequenos e aceitáveis. Talvez por serem os nossos, vistos à distância.


06/07/2021

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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