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Escrita

Então você quer ser escritor?
Jacira Fagundes

Plagiei esse título do livro de Miguel Sanches Neto. É título do livro de contos do autor e título de um dos contos da obra. Não é sobre o conto que pretendo falar, mas a pergunta é providencial e então vamos tentar discorrer a partir dela.

Você pode começar cursando uma oficina literária; é um ótimo começo. Mas é só o começo. Você já deve ter se formado um leitor, uma vez que a leitura é primordial no ofício de quem quer ser escritor. E ter formado o hábito de olhar e ver o mundo e a vida com olhos observadores e curiosos, na busca incessante de respostas e conhecimento. E ainda experimentar a escrita, numa diversidade de formas e temas, simultaneamente com o ato de aprender teoria literária.

Laboratório de Escrita é o módulo que desenvolvo em dois momentos dentro de oficina literária, que você pode vir a cursar. Em laboratório se realiza a prática de algo teoricamente aprendido. Num laboratório de escrita, escreve-se. Você pode começar a escrever sobre um episódio vivido por você ou por alguém que lhe contou, mas qualquer história saída do seu mundinho pequeno não vai interessar a alguém além de você e seus amigos. Mas se é importante para você contar esta história, você pode chamar alguém competente para contá-la, e fazê-lo narrar com o distanciamento necessário. Este alguém é o narrador.

Esta distinção entre autor e narrador é muito importante. Se você for escrever uma crônica sobre algo visto ou vivido, em geral, a voz do autor é que vai se destacar no texto. Já no conto, que se pauta por uma narrativa, a voz se estabelece com narrador e personagem desenvolvendo a história que, mesmo nascida de um acontecimento real, será sempre ficcional.

Criar o personagem é deixar fluir a imaginação ao ponto de construir um primeiro retrato na mente de um ser que traz consigo uma história, e registrar os pensamentos em palavras e frases iniciais. Não há história sem personagem, assim como todo personagem tem uma história. Mais do que criar, o que faz o escritor é construir o personagem, e esta construção não é definitiva no primeiro momento. Você terá tempo de acrescentar ou descartar uma ou outra característica ao longo do texto. Abandone a vontade de construir seu personagem com as características de alguém que você conheça muito particularmente. Não vai dar certo. A generalização, mais do que a especificidade, sempre será a melhor escolha. E abandone qualquer desejo ou busca de inspiração. Escrever literatura é ato racional, de elaboração e debate com você mesmo.

Mas valha-se, sem remorsos, do inconsciente e do acaso. Muitos cronistas e contistas os utilizam como técnicas em suas criações.

Depois de formar um todo mais ou menos harmonioso de quem é seu personagem, você percebe que já o inseriu dentro de uma história que tem um começo provavelmente definido. A trajetória do personagem irá se estruturar lentamente a partir deste começo. Outras características serão chamadas no decorrer da narrativa. A verdade do personagem está na verossimilhança, lembre-se disso.

Na história que vem sendo narrada, um conflito se impõe como um problema que pede solução. Como uma equação matemática. É a razão pela qual você (autor) escolheu esta história em especial e não outra. Para desenvolver uma ideia a respeito de algo e tentar a busca de respostas. Não houvesse conflito, tampouco haveria motivo de contar a história.

Mas já foi dito que isto agora é tarefa do narrador. É ele que narra a história a partir do conhecimento que o autor tem do assunto – mais do que o necessário para o decorrer da história, bem mais. E aí surge outra questão a considerar. O narrador vai narrar como alguém que está dentro ou fora da história? Ele será capaz de saber tudo sobre o personagem? Ou será ele o protagonista da trama? Ou será aquele que testemunha os acontecimentos?

Além da narrativa que constitui o conteúdo, é igualmente importante a forma como você irá tratar este conteúdo. Quanto à forma, o domínio do idioma se faz absolutamente necessário, entre outras condições.

Se você almeja ser um escritor ou uma escritora, saiba que irá conviver assiduamente com a leitura e a escrita. Ler, absorver o máximo das leituras, fazer esboços, revisar sua escrita, inserir dados importantes e descartar palavras e até parágrafos inteiros farão parte de sua rotina.

Por outro lado, conhecer o outro a partir de vários pontos de vista, é também conhecer-se como sujeito/personagem na vida real. Uma troca saudável.

E, por sorte ou intenção, tal façanha o (a) levará a “viver uma tórrida história de amor e salvação com seu imaginário”, como cita Rosa Montero em sua obra “A louca da casa”.

26/01/2023

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  Jacira Fagundes

Jacira Fagundes é professora e escritora. A trajetória literária, encarada como ofício, teve começo em 2002, com a premiação do conto “Noite fria de vigília”, quando do lançamento do Prêmio Literário Nova Prova – 20 anos. Ficou entre os quinze autores selecionados e seu texto foi publicado em obra da Editora.

jfagundescritora@gmail.com
www.jacirafagundes.com


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