A série de reportagens de Zero Hora sobre os 162 infratores “Meninos condenados” está muito além de toda a literatura brasileira de um Rubem Fonseca, de uma Patrícia Melo, de um Marçal Aquino, de um Fernando Bonassi, que escrevem histórias sobre a violência na sociedade brasileira. Não é ficção. É um trabalho paciente e minucioso, que revela e desvela. Só não vai entender quem não quer. Um jornalismo para documentar, uma reportagem verdadeira, de tirar o véu e de não deixar dormir.
Esta é uma matéria jornalística metodologicamente tão consistente e tão objetiva nos seus dados, como no contexto sociológico em que se fundamenta, que não poderá ser ignorada. Ela é um ponto de partida para o futuro, para ser levada a sério pelos efetivamente interessados em buscar novos caminhos. O resto pertencerá ao passado, que já fracassou absolutamente. E o que fracassa absolutamente precisa de soluções absolutamente diferenciadas. Qual a solução? A resposta ainda não existe, e vai demorar, porque a sua busca está radicalmente prejudicada pela acomodação e pelo regozijo com conceitos, teses, diagnósticos, métodos, políticas públicas, abordagens, terapias, serviços, que não foram eficazes. Dez anos é um tempo mais do que suficiente como período de análise. O fato é que o olhar está desfocado e o rumo perdido.
Se não é assim, por que esses 162 jovens não conseguiram romper o círculo de fogo que os cerca como feras no circo urbano da violência? Por que fracassaram? São 1,5 mil anos de cadeia distribuídos em condenações judiciais! Por que as famílias, a sociedade, o Estado, não conseguiram lhes estender a mão e salvá-los desse sumidouro social? Por que um batalhão de familiares, psicólogos, assistentes sociais, monitores, promotores, juízes, defensores, ministros, sociólogos, educadores, pesquisadores, e tantos outros, de posse de um festejado instrumento legal como o Estatuto da Criança e da Adolescência não conseguiram, numa década, recuperar nenhum jovem infrator? Por quê? E, por favor, chega de retórica. Chega da moralina dos ingênuos e do ranço ideológico dos idealistas autoritários com o seu messianismo manipulador.
Desconfio de que os nossos modelos, os nossos paradigmas de pensamento social precisam ser reinventados, a partir da realidade, com a crítica dessa mesma realidade, para que efetivamente possamos transformá-la. Desconfio de que nosso desvio é epistemológico. Nossas teorias das ciências sociais não conseguem dar conta da realidade social brasileira. E essa imensa incompetência se reflete diretamente nas leis penais e processuais, nas instituições, nos preconceitos, nas políticas de atendimento e de assistência, que constituem o chamado sistema socioeducativo de jovens infratores.
Por que não conseguimos nos levar a sério frente a uma catástrofe social dessas dimensões? Por que brincamos de sociedade? Por que somos fabulistas e nos eximimos numa retórica permissiva, abusando de uma falsa interdisciplinaridade que mistura sociologia, psicologia, antropologia, culturalismos, e que dilui conceitos e valores? Por que batemos de frente contra o velho e insistente princípio de realidade? Por que não aceitamos de uma vez por todas que, embora tenhamos a sexta economia do mundo, paradoxalmente, somos um dos países mais desiguais e violentos do mundo, e com um dos mais precários sistemas públicos de proteção à família, às crianças e aos jovens?
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