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Literatura

Uma entidade que reúne Escritores e Ilustradores
Marcelo Spalding

Jacira Fagundes é uma artista, com o perdão do clichê, de mil faces. Contista em No Limite dos Sentidos, novelista em Dois no Espelho e oficineira em A mão que move as peças, tem também belos livros infantis e juvenis. Mais do que isso, a escritora por vezes dá lugar a uma artista visual interessada e estudiosa que cultiva, inclusive, a tradição da arte-postal. Não surpreende, portanto, que hoje Jacira seja a coordenadora da AELIJ-RS, entidade que reúne escritores e ilustradores de literatura infanto-juvenil. Nesta entrevista, a autora fala sobre questões contemporâneas acerca do trabalho dos escritores e dos ilustradores.



 

Para quem não conhece, o que é a AELIJ e quais as suas ações?

A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ – existe desde 1999. É entidade nacional representativa dos escritores e ilustradores que vêm se dedicando à literatura infantojuvenil no país, e cuja proposta é estimular a coesão da categoria, em defesa dos interesses e direitos da classe.  Conta atualmente com 06 regionais: São Paulo, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Entre as muitas ações – todas relacionadas à extensão e qualidade da literatura direcionada a crianças e jovens – destaco a exposição permanente e a divulgação do livro infantil e juvenil entre os setores públicos e privados, e a conquista do público leitor através de atividades lúdicas e culturais em encontros em escolas e Feiras do Livro, seminários, palestras e reuniões em diversos pontos do país. E ainda a participação em campanhas e programas de incentivo à leitura e estabelecimento de parcerias junto a órgãos públicos, instituições, fundações e empresas com o mesmo fim.

A regional do RS programou um painel, dentro da Semana do Livro que acontece de 18 a 24 de abril, onde 3 painelistas e 1 mediador estarão debatendo com o público presente a questão da interação entre texto e ilustração na obra infantil e juvenil.


Muitos escritores rejeitam a divisão da literatura por faixa etária. Como a AELIJ define um escritor infanto-juvenil e o que você acha dessa segmentação?

Bem, considero escritor aquele que faz literatura, sem qualquer tentativa de classificação segundo a faixa etária. O produto de sua criação – o texto, a narrativa, a história, o livro, enfim – é que pode vir a ser direcionado, tanto para crianças, adolescentes e jovens, quanto para o leitor adulto. É o que o escritor costuma fazer a princípio – direcionar a obra a um determinado público leitor.

A AEILIJ tampouco está preocupada com uma classificação estanque, mas sim com a qualidade de literatura que se deva oferecer ao leitor ainda em formação. Há faixas bem determinadas como a que inclui crianças bem pequenas que ainda não leem e se encontram na fase do faz de conta , por exemplo. Outras faixas, nem tanto, uma vez que apresentam tal gama de nuances que dificulta uma classificação a priori.

Contudo, o estabelecimento de alguma classificação do livro por faixa etária, pelo menos aproximada, faz-se necessária, mais por uma questão didática do que literária.

O que não impede que os pequenos leitores e os maiorzinhos, incluindo aí os adultos, estabeleçam seus próprios critérios segundo seus interesses e fluência na leitura.

 

Como escritora de livros para adultos, jovens e crianças, você muda seu processo criativo de acordo com o público de seus livros?

O processo criativo, esteja eu direcionando meu texto ao leitor infanto-juvenil ou ao leitor adulto, é praticamente o mesmo. A criação dos personagens, a trama, a ambientação, vão surgindo com vagar e isoladas. Logo vão entrando num todo único e harmônico, o que permite o desenrolar da cena ou da narrativa.

Mas há aspectos importantes que se diferenciam – a voz e o olhar, por exemplo. O leitor adulto é meu par, meu parceiro nas alegrias e desencontros, nos sonhos e nas desventuras. Eu o encontro diuturnamente, muitas vezes olhando a mim mesma no espelho; temos vozes e olhares mais ou menos semelhantes, eu o leitor adulto.

Já o leitor criança exige de mim outro olhar e outra voz que devo reencontrar na medida em que me deixo enveredar pelo caminho da fantasia e do imaginário – na criança que fui e também na criança que circula no meu tempo e espaço, pois que a vejo e escuto sua voz.

E são estes olhares e estas vozes peculiares – ora do adulto; ora da criança, ora do jovem – que determinam o caminho da narrativa e servem de suporte para o tudo mais dentro do processo.

 

Como está o mercado editorial atual para escritores e para ilustradores infanto-juvenis? As dificuldades de remuneração dos escritores é a mesma dos ilustradores ou estes, por receberem um cachê pelo trabalho e não dependerem apenas do direito autoral, reclamam menos do mercado editorial?

O mercado editorial ainda apresenta bastante diversidade, sendo que a luta para uma posição mais igualitária seja mais intensa de parte de ilustradores. Mas há novos posicionamentos alcançados via legislação. A AEILIJ está atenta às reivindicações dos autores de imagem e de texto e, recentemente, enviou carta a Ministra da Cultura – Sra. Ana de Hollanda – manifestando apoio às ações pertinentes às questões artísticas e literárias na área de nossa atuação.

 

Na sua opinião, por que há mais ilustradores profissionais que dedicam todo seu tempo a esta atividade do que escritores que dediquem todo seu tempo ao trabalho de escrita?

Devo confessar que desconheço este percentual mais alto de ilustradores  dedicados exclusivamente a seu trabalho. Creio que nem o escritor nem o ilustrador, nos dias de hoje, dedicam-se com exclusividade ao fazer literário. A atuação de ambos fica dividida entre tarefas de divulgação, exposições e participações em outras tantas atividades complementares, além do escrever e ilustrar.

Poucos escritores podem se vangloriar de que vivem de seus livros, muito poucos. Ilustradores, penso que estejam no mesmo patamar. Daí a necessidade de se desdobrar em seminários, feiras e encontros, participar de programas e projetos, realizar visitas a escolas. A escola e as bibliotecas escolares, constituem o grande centro de interação entre escritores, ilustradores e estudantes, onde se ensina e se aprende  gosto e hábito da leitura, já que pouco se conta com a família. São hoje, atividades inerentes ao ofício, sem as quais os profissionais do livro cairão no esquecimento.

 

Em tempos de livros digitais, o ilustrador assume cada vez mais importância na produção de livros, mas agora tendo a companhia de músicos, programadores, designers. Como os ilustradores estão vendo essa transformação?

Os ilustradores recebem de bom grado tal transformação. Mesmo os mais tradicionais, inclusive os escritores, começam a se adaptar às novas tecnologias. O livro digital não vem para substituir nada, mas vem para instalar um novo espaço num novo tempo.

A tarefa do ilustrador é intermediada com outras artes, igualmente importantes, como a música e o design, e esta intermediação é bem-vinda. O profissional que não perceber a importância do trabalho em conjunto, no caso do digital, estará inevitavelmente excluído do processo.

Porém, é preciso prevalecer a qualidade literária sobretudo, que consiste na real finalidade do livro. Transformar o livro numa novidade, num brinquedo ao alcance apenas do entretenimento raso é desvirtuar o foco da literatura.

 

Você tem alguns livros publicados digitalmente. Qual sua opinião sobre o futuro da literatura infanto-juvenil?

Percebo muito apocalipse em relação ao futuro da literatura em geral e não só da literatura infantojuvenil – ao futuro do livro, enfim. Pois estou em desacordo com muita gente. Quando em visita a escolas, o que vejo é um enorme contingente de crianças interessadíssimas na contação e na leitura de histórias por seus autores. Adolescentes e jovens participam de debates, questionam, opinam e tecem comentários inteligentes sobre livros e seus conteúdos. As feiras de livro em  escolas viraram prática onde estudantes apresentam trabalhos criativos de literatura e arte. Nunca o livro foi tão referendado em tantos eventos públicos e escolares.

Crianças e jovens leem, creio que mais do que nós lemos quando crianças e jovens. Apenas leem diferente de nós, e é este diferente que nós, adultos, precisamos conhecer.

Concluindo, creio que a discussão não deve ser sobre o futuro da literatura e do livro, mas sim sobre o futuro das práticas metodológicas que precisam se adequar, e urgentemente, às novas tecnologias. E fazer do computador, da televisão, do cinema e de outras tantas linguagens disponíveis, objetos de pesquisa, estudo e uso da leitura, na tela ou no papel. 

 

A pergunta é clichê, mas sempre cabe: você tem sentido alguma diferença por parte dos jovens no interesse pela leitura?

Sim, como respondi acima. Claro que o jovem, mais do que a criança, precisa de incentivo para se interessar pela leitura, pois que seu interesse é mais disperso e a tecnologia o seduz admiravelmente.

Tive uma experiência recentemente numa escola com alunos de 8ª série, alguns na faixa dos 16 anos. A atividade era de leitura de um capítulo à escolha do grupo, do livro Mania de Gavetas, de minha autoria. O grupo se encontrava distribuído em volta de computadores, de 3 a 4 alunos em cada computador que apresentava na tela o que eu comentava tendo em mãos o livro impresso.

Os estudantes acompanhavam a leitura feita por mim em voz alta, tinham permissão para interromper a qualquer momento e usaram da permissão para interromper com perguntas e comentários. Terminada a leitura, passaram a relatar experiências, posicionaram-se em relação aos personagens, aos colegas e a si próprios. Duas questões apresentadas pelo grupo foram motivo de discussão mais participativa – traição e beijo na boca.

Sei o quanto as escolas estão distantes deste tipo de atividade. Porém, esta experiência confirmou que o jovem se interessa, sim, por leitura. Ainda que de maneira diferente de nós.

 

Hoje vemos, nas escolas, muito mais jovens que gostam de desenhar do que jovens que gostam de escrever. A que você atribui isso?

A criança, desde muito cedo, apreende o mundo através da imagem. Está rodeada por apelos visuais: televisão, cartazes, propagandas. Logo acessa computadores e tem contato com livros. O que ela faz? Olha imagens, inventa historinhas a partir do que vê, experimenta emoções com um simples olhar – medo, nojo, contentamento, amizade, raiva.

O desenho, portanto, vem antes da escrita; independe de aprendizagem de signos e significados. O desenho parece ser inerente à sua formação como pessoa. A criança passa a se expressar através do desenho, o desenho fala.

Leitura e escrita surgem mais tarde, como aprendizagem séria. E ao longo da trajetória acontece o inverso: ler e escrever passam a ser obrigações, muitas  vezes desinteressantes e monótonas. Cada vez mais os livros didáticos trabalham o texto, deixando as ilustrações para segundo plano.

A criança passa a dominar a escrita, mas em geral com menos prazer e desenvoltura do que desenha.

 

Comente um pouco o processo criativo de Mania de Gavetas, seu livro juvenil mais recente, que, alias, é um belíssimo livro e no qual você atuou como escritora e ilustradora.

Mania de Gavetas é um livro que resultou de um processo mais complexo do que os infantojuvenis que o precederam. Comecei elaborando um pequeno projeto em cima de algumas idéias.

Havia chegado o momento de experimentar um personagem feminino como protagonista (coisa que não tinha feito até então na literatura infantojuvenil) e ainda queria avançar na faixa de interesses do personagem (alguém entrando no complicado mundo adulto). Minha protagonista seria então uma adolescente e a narrativa teria a pretensão de abarcar questões de conflito que provocassem discussão e posicionamento do jovem leitor.

Outra idéia era a seguinte: o texto iria valer-se da linguagem visual concomitante com a palavra escrita. Eu criaria as ilustrações com base no trabalho de arte digital que venho experimentando nas oficinas do Atelier Livre.

E traria minha experiência em Arte Postal para a literatura, criando uma convocatória de Arte Postal, com uma imagem para interferir.

Depois do projeto montado, tudo costuma parecer fácil e até divertido. Texto e ilustrações foram assim, se estruturando em momentos muito próximos.

Para as ilustrações trabalhei com desenho, fotografia e manipulação de imagem no computador. Criei situações com gavetas fechadas, abertas, atravancadas, amontoadas e fotografei uma quantidade enorme para posterior seleção. Ao mesmo tempo, as convocatórias de arte postal com o título “O que você guarda naquela gaveta especial” retornavam com interferências muito sugestivas. Partes de algumas delas constam no livro com página de agradecimentos aos autores.

Também o texto recebeu tratamento de imagem em algumas frases e títulos, acompanhando as ilustrações.

Todo este material, depois de pronto e diagramado o livro, foi entregue à editora, que desenvolveu o projeto gráfico acrescentando toque artístico a todas as imagens originais.

Deixando de lado a modéstia, concordo que Mania de Gavetas é um belíssimo livro, bem ao gosto do leitor a que se destina.

 

Essa construção coletiva de Mania de Gavetas é uma espécie de sinal dos tempos, da era das redes sociais?

Creio que é uma construção inusitada. Não chegou a ser coletiva, uma vez que não houve decisão de participação de parte de outras pessoas além da autora.

As interferências na imagem da convocatória eram livres de qualquer compromisso. Poderiam ter ou não aproveitamento na construção da obra, em parte ou no todo, por decisão única da autora. Claro que estes selecionados sentiram-se lisonjeados. Porém, todos os trabalhos recebidos, sem exceção, foram expostos no dia do lançamento do livro.

Se isto é uma espécie de sinal dos tempos e da era das redes sociais, talvez tenha alguma referência, sim. A própria história de Mania de Gavetas traz a coisa coletiva, dos adolescentes que expõem os problemas e se expõem na turma do colégio, e não ficam só aí, se expandem para além do muro escolar, nas casas de colegas, no MSN.

Depois de Mania de Gavetas, fui organizadora de um livro digital, desta vez, coletivo. O livro está na rede, com acesso gratuito. È; sinal dos tempos.

 

Para terminar, um escritor gaúcho.
Jane Tutikian

Um ilustrador gaúcho.
Carla Pilla – a conheci em seu início de trabalho, vem crescendo muito.

Um artista gaúcho.
Liana Timm


12/04/2012

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Comentários:

Soninha querida, obrigada pelo comentário deveras instigante. Esta questão que levantas a respeito da ilustração também para o adulto é uma das questões que pretendo seja discutida no Painel. Peço tua permissão para apontá-la como referência no evento que a propósito, ocorrerá na Biblioteca Lucília Minssen (5º andar da Casa de Cultura), no dia 18 às 18:30. Ficarei muito feliz com tua presença.
Jacira Fagundes, Porto Alegre/RS 14/04/2012 - 10:58
Muito esclarecedora a tua entrevista, Jacira. Aprendi um pouco sobre a AEILIJ. Eu acrescentaria que para alguns leitores adultos, de hoje, pouco afeitos à leitura, uma ou outra ilustração auxiliaria, principalmente no encantamento, no aguçamento da imaginação, no interesse pela mensagem passada através da ilustração.Isso tornaria mais interessante a leitura do texto. Tomo por base minhas crônicas do blog. Quando eram apenas o "texto puro", despertavam menor interesse. Agora, quando ilustradas, por uma abertura criativa,por vídeos, por música,chamam mais atenção. Parabéns pelo trabalho que vens desenvolvendo. Onde acontecerá a Semana do Livro e qual o dia da tua apresentação? Um abraço afetuoso da Soninha.
Soninha Athayde, Porto Alegre/RS 13/04/2012 - 17:17

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