Música
Os vários ‘sonrotnoc’ da canção brasileira
Felipe Azevedo
Você já parou para pensar no que está acontecendo com a canção? Refiro-me à Canção Popular Brasileira? Você por acaso já se questionou sobre as transformações que ela tem passado nos últimos tempos? Se você faz parte daquela geração como eu, ou anterior a ela, de quando a canção brasileira tinha os moldes, os contornos daquele formato pós-festivais anos 60 onde o trinômio melodia/harmonia/letra eram cuidadosamente lapidados pelos compositores, provavelmente, ao se deparar com a produção atual de canções experimente uma estranha sensação de... esvaziamento, diluição, ou sabe-se lá o quê. Por quê? Será que não estamos conseguindo acompanhar esta nova leva da produção autoral brasileira? Será que as nossas referências estéticas à s quais sempre acreditamos podermos nos gabar (afinal referenciais como Chico Buarque, Caetano, Djavan etc. não é pouca coisa) de nada valem para compreender o contexto atual da criação brasileira? Ou será que estamos enxergando um problema onde não tem, ou talvez entendendo ou abordando a questão pelo canal diverso? Faz um tempo, Chico Buarque expôs em uma entrevista para um Jornal de circulação nacional que o formato de canção o qual ele partilhava, inspirado nos moldes composicionais de Tom Jobim, estava fadado ao total desaparecimento, porém ele, Chico, por fazer parte desta geração e ter convivido e produzido com Tom, se mantinha e ainda produzia dentro deste perfil. Indo além, ao referir-se à temática social do Rap brasileiro, expressou total respeito e admiração por estes compositores dentre várias razões - suas criações serem fruto de um viver ‘in locoÂ’, e por serem escutadas e consumidas por uma faixa de audiência que ele Chico, jamais atingiu e provavelmente jamais atingirá. No capÃtulo Simultaneidades do seu excelente O SOM E O SENTIDO, Zé Miguel Wisnik alerta para a reiteração do pulso e do caráter modal presentes nas criações mais recentes, assinalando uma espécie de retorno ao “tribalismo”, porém com contornos urbanos e eletrônicos – o pulso e a defasagem do pulso:” a música de concerto contemporânea explorou conscientemente dimensões do tempo que contestam a escuta linear, negam a repetição e questionam o pulso rÃtmico. A massa das músicas de massa marca o pulso rÃtmico, a repetição e apela à escuta linear. Uma contesta o tom e o pulso, outra repete o tom e o pulso.” Santiago, em entrevista para o livro A MPB EM DISCUSSÃO organizado por Santuza Cambraia Naves, Frederico Oliveira Coelho e Tatiana Bacal, expôs de forma significativa que... “a arte de hoje em dia sempre apresenta o mundo a partir de um quadro, e esse quadro é o enquanto “... ou seja, o momento que vivemos hoje não se referencia, não se apóia no antes, durante ou depois, e sim, vivemos o momento do enquanto. Em sÃntese, para entendermos o momento que vivemos hoje e as suas respectivas criações devemos repensar nossos parâmetros avaliativos de tempo - o ontem já não vale como referência para compreender o hoje. Pós – modernidade? Quem sabe... Ou será que a linearidade temporal perceptÃvel em outros gêneros, por exemplo, o erudito, não vale como parâmetro avaliativo para pensar o tempo na canção popular? Luiz Tatit em artigo para a revista Cult explicou que a Canção nunca andou tão bem obrigado. Explica: “a existência do Rap e outros gêneros atuais só confirma a vitalidade da canção. Ou seja, canção não é gênero, mas sim uma classe de linguagem que coexiste com a música, a literatura, as artes plásticas, a história em quadrinhos, a dança, etc. é tudo aquilo que se canta com inflexão melódica (ou entoativa) e letra. Não importa a configuração que a moda lhe atribua ao longo do tempo.” Nesta altura proponho ao leitor que chegou até aqui uma pequena incursão auditiva. Escute e reflita sobre duas canções que falam da figura feminina brasileira como fonte de inspiração – BEATRIZ de Chico Buarque e Edu Lobo e um dos sucessos do Funk Carioca BOLA DE FOGO (não sei se é exatamente este o tÃtulo da canção). Uma é tonal e a outra, modal. Uma é rica em arranjos, outra é simplificadamente apoiada numa base eletrônica. Uma se apóia num fluxo melódico, outra, no fluxo da fala. Ambas refletem realidades sociais e estéticas distintas. Pergunto: estas canções são mesmos enquantos de brasis diferentes ou diferentes enquantos de mesmos brasis? PS: Esqueça o seu gosto pessoal.
19/02/2008
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Felipe Azevedo
Felipe Azevedo é compositor e violonista, premiado com 5 prêmios Açorianos, além de prêmios em festivais locais e nacionais. Licenciado em Música (IPA) e Letras (PUC), o músico também estudou Harmonia, Contraponto e Forma e Análise com Fernando Mattos; Harmonia e Improvisação com Cristiano Kotlinski; técnica violonÃstica com Eduardo Castañera e atualmente recebe Orientação Vocal aplicada ao seu trabalho de compositor com Lúcia Passos. Com 03 álbuns lançados Felipe está em fase de finalização de seu novo CD – Tamburilando Canções – Felipe Azevedo – Violão com Voz, prêmio FUNARTE – RJ.
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