Essa semana faleceu o cineasta Sérgio Silva, aos 66 anos, vítima de câncer em sua própria residência. Sérgio foi professor no Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Ele ministrava aulas sobre dramaturgia, afinal, sua formação era na área de Letras, apesar de ter uma vasta e rica carreira na área do Teatro e do Cinema. A primeira aula que tive no DAD foi com ele. Lembro-me de adentrar a sala de aula do primeiro piso do DAD, hoje reservada para a pós-graduação, e sentar bem à sua frente na primeira fila. Sérgio estava fumando um cigarro e bebendo algo em sua caneca, que eu, ingenuamente, pensava que fosse um café ou um chá. O cheiro do seu cigarro não me incomodava, mesmo eu sendo muito sensível ao cheiro de cigarros em geral, como sempre fui, mesmo depois de ter começado a fumar também...
Era um prazer ouvi-lo falar. Contava histórias como ninguém. Sua grandiloquência me fascinava. E aprendi muitíssimo sobre teatro, cinema e artes em geral só de prestar atenção no que ele falava. Foi um dos poucos professores que incentivaram meus colegas e eu na arte de dizer um texto, fundamental para qualquer ator, na minha opinião. E parecia ser na dele também. Por vezes, a turma conversava demais durante suas aulas, momento em que ele soltava a voz, como faz um tenor na nota mais alta de uma ária, para chamar a atenção dos alunos. Até então, havia sido a forma mais interessante de chamar a atenção de uma turma que eu já havia vivenciado.
Uma de suas aulas ficará guardada para sempre na minha memória: foi quando ele resolveu que leríamos “Macbeth”, de William Shakespeare, em aula e em voz alta. A Srta. Salib atrapalhou-se com uma nota de rodapé ao ler uma das feiticeiras; o Sr. Pinheiro chamou o personagem-título de Macabé; e eu, o Sr. Douglas (pois ele nunca me chamou pelo sobrenome, como costumava fazer com a maioria dos seus alunos), ao gritar todo emocionado o texto “– Horror! Horror!”, sou contemplado com a visão de Sérgio levando as mãos acima dos olhos e emitindo baixinho um “– Ai, Meu Deus!”.
Sérgio Silva também me iniciou na arte do bom cinema. Em uma disciplina opcional, assistíamos a Fellini, Pasolini, musicais de Hollywood, clássicos do expressionismo alemão, entre outras pérolas da história do cinema mundial. Lembro-me de ficarmos horas debatendo sobre os filmes assistidos, às vezes em sala de aula, às vezes no Bar Caras e Bocas, perto do DAD, onde fazíamos um coffee-break. Foi numa dessas idas ao Caras e Bocas que peguei o elevador do DAD com ele e pude espiar que dentro de sua caneca havia um líquido amarelado com quatro pedrinhas de gelo. Ou seja, não era um chazinho, muito menos um café.
Com Sérgio, aprendi o que é um travelling, um plongèe (e um contra-plongèe), e ainda tenho guardado até hoje um pedaço de rolo do seu filme “Anahy de Las Missiones”, que mostra 24 quadros, o que equivale a 1 segundo no cinema, com um mínimo de mudança na expressão de um dos meus atores favoritos, Matheus Nachtergaele, ou o menino Matheus, como ele chamava. Aliás, para mim, sempre foi uma forma maravilhosa de derrubar mitos o fato de Sérgio falar do Marquinhos (Marcos Palmeira), do menino Lázaro (Lázaro Ramos), do Waltinho (Walter Salles) e até mesmo do Rodriguinho (Rodrigo Santoro), que estava sentado à mesa junto daquela menina bonitinha, namorada do Brad Pitt (Angelina Jolie), mostrando a jovens cheios de sonhos ao entrar numa faculdade de Teatro, que nossos ídolos são apenas seres humanos como nós, com um pouco mais de mídia.
No ano de 2008, Sérgio Silva se aposenta como professor da UFRGS, mas mesmo recém-aposentado, aceita o convite para ser paraninfo da minha turma de formandos em Teatro daquele ano. A cerimônia ocorrida em 10 de janeiro de 2009 está guardada em minha memória como um dos mais felizes dias da minha vida. E está guardada também em um DVD onde apareço chorando feito um bebê ao ouvir o discurso coerente, irônico e sincero do meu mais querido professor.
Sérgio Silva não viveu neste mundo apenas de passagem. Fazia o que acreditava e lutava por seus espaços, que se perdiam com a “modernização” do mundo. Espero que onde ele estiver tenha um cigarrinho, um belo uísque envelhecido e um bom filme para ele degustar. Agora, ao escrever esse texto sobre minhas memórias com Sérgio Silva, não posso conter as lágrimas. Não de tristeza por um “corta” tão repentino em sua vida, mas emocionadíssimo por saber que foi dado um “ação” para outra fase dela, junto dos artistas que tanto admirava.
foi uma perda muito grande para o teatro e para o nosso cinema.Éramos amigos de longa data, desde que ele era aluno do CAD(na época).Fiquei triste e arrependida de não tê-lo visitado quando soube que estava doente.Gostei de tua iniciativa. Abraços. Aida
aida ferrás, POA/RS 31/08/2012 - 23:07
Parabéns Douglas, fiquei muito saudosa da minha época de DAD e da aula do Prof. Sérgio. Com certeza uma grande perda. Abraço!
Carolina, Porto Alegre/RS 30/08/2012 - 13:04
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