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Literatura

José Weis: nem cinismo, nem doce-lirismo
Sidnei Schneider


José Weis-Foto Marcio de Almeida Bueno

Os poemas de Lenhador de samambaias (IEL/CORAG, 2012), enfeixados pelo poeta e jornalista porto-alegrense José Weis “na zona de interseção entre/ uma autocrítica e sua compaixão”, como ele modestamente brinca em “Antologia a rigor”, constituem, por inacreditável que pareça aos que há muito o reconhecem como poeta, o seu primeiro livro de poesia. Quando da Antologia do Sul, poetas contemporâneos do RS (Assembleia Legislativa, 2001), Weis foi a única exceção entre os 91 participantes, integrando-a sem ter livro individual publicado, o que revela algo do prestígio de sua poesia.

À enxuta seleção de uma vida repleta de escritos poderia se associar o hieróglifo de “Mutação”: “Espinhas de peixe/ restos dos restos/ um ser das águas/ agora em secura/ pura escultura”. As exigências do poeta transfiguram-se na qualidade dos poemas, visto que o lugar-comum desfaz-se a todo instante, trocado pela surpresa do humor, da imagem rara, da similaridade linguística e da autoironia: “Amizade é uma barata,/ sobrevive a hecatombes” (Bálsamo), “Do lado direito, à altura da orelha,/ um viaduto serve de brinco” (Cinza crepúsculo); “Amar é ficar/ fora da casinha/ sem sair de casa/ dois corpos que casam/ causam muito bem” (Romance de não ficção), “Não gastem sua compaixão/ com este chimango aqui,/ não sou náufrago de primeira viagem,/ convivo com isto tudo há séculos” (Apedido).

Weis conquistou um verso de sofisticação serena, aquela simplicidade heroica em que se preserva o cuidado e o minimalismo formal. Assim, bordeja a filosofia em “Siesta”, acerca de um fauno urbano: “difícil fica seu repouso/ sem uma relva macia/ sem um riacho cristalino/ e nem uma sombra de dúvida”. No haikai, com uma produção em geral rebaixada atualmente, Weis se mostra digno: “Tarde de verão/ formiga carrega folha/ um veleiro no chão”, “Um beijo de gueixa/ um trago de saquê/ queixa pra quê?”

Os temas se revelam com naturalidade, intersecionados, em versos que exponenciam o sentido imediato. A cidade: “Uma xícara de café preto e/ um pastel de carne com ovo./ o aviso na parede lembra:/ a azeitona ainda tem o caroço” (Mercado Público); “cinéfilos agnósticos” fazem “regressões aos ventres secos/ das baleias mortas, as antigas salas de cinema” (Breu); “seu casco lembra uma pele envelhecida/ dá vontade de consolá-lo, por compaixão” (Noturno do navio-elefante); “Lenitivo”, difícil de referenciar com um par de versos, “A gente queria tanto um sítio/ bananeiras refletindo a lua/ o rio logo ali em frente./ Acabamos num quarto-e-sala/ no sétimo andar, em pleno centro./ Nas noites de sábado,/ tem licor de maracujá/ e leituras de Adélia Prado./ O sítio é onde a gente está.” As águas: “Bendito seja seu fluxo onde tudo desliza” (O lago chamado Rio Guahyba), “O que o mar não ensina,/ por certo, é o verbo amar.” (Lições cabralinas). O amor: “o sal da lágrima no mate amargo” (Cerimônia); “serás Billie Holiday,/ eu, Lester Young./ Era o que faltava,/ na próxima ele ataca,/ pensou ela, de Yin & Yang” (Sintomas); “Eu não sou buldogue não,/ nem Jorge Luis Borges” (Súplica); nos quais a ironia gera o necessário distanciamento. A escrita: concisa e pungente ao tratar de si mesma, “todo bardo elege,/ com sábia devoção,/ seu ideal de rejeição” (Intuição); “sempre de gravata, nunca uma bravata” (Velho Graça), acerca do escritor Graciliano Ramos.

Em “24 de Setembro”, o autor nos leva a perguntar por que, afinal, aquele cidadão não atravessaria o viaduto sem que antes “uma mulher/ que vinha do outro lado o atravessasse”. Com humor terno em relação à figura do pai, o poema gera um incrível deslizamento de significados: o viaduto seria muito novo e requereria teste? sem alguém que o ajude a atravessar perigos, o sujeito masculino sentiria demasiado receio de desastres? numa inversão do senso comum, seria o homem, e não tanto a mulher, quem precisaria de segurança? ocorreria uma sutil evocação da figura materna? ou, ainda, da mulher que se ama? O leitor que encontre as suas perguntas e respostas.

Selecionada pelo Instituto Estadual do Livro, a poesia de José Weis, farta do cinismo cotidiano e do lirismo mamão com açúcar, como ele diz em “Rondó a Manu”, finalmente conquista o espaço que seus pares há muito lhe concederam.

Lenhador de Samambaias pode ser encontrado na sede do Instituto Estadual do Livro (IEL), Rua André Puente, 318, Porto Alegre, ou na Banca do IEL na próxima Feira do Livro de Porto Alegre.


25/10/2012

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Comentários:

O livro do José Weis é realmente muito bom - e sua publicação, finalmente, faz justiça ao poeta e engrandece ainda mais o IEL. O comentário de Sidnei é preciso ao retratar a poesia de Weis, que - como o crítico saliente - há muito tinha o reconhecimento de seus pares.
jose antônio silva, Porto Alegre/RS 11/06/2014 - 10:35

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  Sidnei Schneider

SIDNEI SCHNEIDER é poeta, contista e tradutor. Publicou os livros de poesia Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999), a tradução Versos Singelos-José Martí (SBS, 1997) e o volume de contos Andorinhas e outros enganos (Dahmer, 2012). Participa de Poesia Sempre (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2001), Antologia do Sul (Assembleia Legislativa, Porto Alegre, 2001), Moradas de Orfeu (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011) e de mais de uma dezena de antologias. 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM (1995), 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS (2003) e outras premiações. Membro da Associação Gaúcha de Escritores.

sidneischneider@gmail.com


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