E a vida o que é?
Diga lá meu irmão
Gonzaguinha
O teórico Antonio Cândido analisando a crônica – gênero literário que está diante de seus olhos – festeja o fato de ela ter um status menor. Chega a afirmar que jamais teremos um Nobel cronista, o que, de fato, a história apenas confirma. Lá pelas tantas, cita que essa característica é muito útil: “E para muitos pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a literatura.”
Pois hoje, repousando os pés no chão depois de sorver a enorme celebração que foi o lançamento da antologia Santa Sede – crônicas de botequim, Safra 2012 (Ed. Literalis), posso afirmar que a inversão do raciocínio também é uma oração verdadeira: a crônica para muitos pode servir de caminho não apenas para a literatura, que ela serve de perto, mas para a vida.
A participação de pessoas com diversas ocupações laborais em oficinas literárias faz surgir, no mínimo, leitores mais qualificados – fato que ninguém contesta. Afinal, trilhar caminhos que nossos melhores escritores já passaram, e estar defrontado com a tarefa de percorrê-los a partir da própria elaboração, desenvolve a capacidade de ler os textos em sua estrutura, desvendando aos poucos as estratégias que muito nos encantam. Mas, boas experiências levam ainda mais adiante.
O patamar seguinte é o de reconhecer-se capaz de produzir literatura, boa literatura, perseguindo o brilho dos grandes astros. Encontrar a voz mais confortável e estendê-la aos limites da criação sem perder-se na pauta. Conhecer a voz do outro e aceitar as diferenças com naturalidade. Mais: maravilhar-se com a diversidade de interpretações sobre um mesmo tema lendo-a como diferente, não melhor ou pior. Apenas outra.
Alcançar esses dois estágios – qualificar a leitura e capacitar a composição – é um bom destino para toda oficina literária. Agora, o caráter confessional e o grau de exposição inerentes à crônica, quando a turma conquista um patamar de confiança mútua, nos faz passar para adiante dessa fronteira. E a Santa Sede tem chegado lá.
Ao cabo de seu terceiro ano, no adeus à terceira turma, depois de estarmos tão perto uns dos outros, afirmo sem medo: concluímos a passagem pela mesa de boteco, além de melhores escritores, pessoas melhores. Sou grato por terem me dito em palavras e gestos, afinal, o que é a vida. Isso é a vida.
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