artistasgauchos












Desenvolvido por:
msmidia

Poesia

Tópicos sobre emoção e poesia
Ronald Augusto

No prólogo ao seu livro Elogio da Sombra, J. L. Borges diz algumas coisas acerca da relação entre poesia e emoção, vejamos uma delas: “Comum é afirmar que o verso livre não é outra coisa senão um simulacro tipográfico; penso que nessa afirmação se oculta um erro. Para além de seu ritmo, a forma tipográfica do versículo serve para anunciar ao leitor que a emoção poética, não a informação ou o raciocínio, é o que o espera”. Mas, poder-se-ia mencionar a possibilidade de uma informação poética, de um raciocínio poético. Isto é, no sentido em que Paul Valéry diz que a poesia é uma "festa do intelecto".

Vamos interpretar um pouco mais esta ficção de Borges. Antes de tudo, o escritor argentino se limita a reforçar uma visão tradicional de poesia, segundo a qual este gênero - talvez porque sua gênese seja coincidente com a da música, linguagem por definição não-representativa ou não-verbal e que está nas antípodas da racionalidade, não obstante ser irmã siamesa da matemática -, seria o veículo, por excelência, do inefável e da emotividade. Em Homero, por sua vez, vamos encontrar - e quase como que em abono à afirmação borgeana -, a imagem de que as dores e aflições humanas vêm à tona apenas para servir de matéria ao canto dos poetas. Nota-se, no entanto, que o poeta grego é menos sentimental do que Borges, pois para o autor da Ilíada, todo o drama dos mortais não passaria de uma agitação feroz e vã, servindo tão-só de tema ou de signo à fatura do poema. O poema, assim, se converte num objeto estético, numa beleza inútil que, ao fim e ao cabo, trata de coisas que não têm sentido.

Por que razão o verso (o poema) estaria condenado a expressar só a emoção (poética), não a informação ou a racionalidade? Se for verdadeiro como afirma Borges, ou seja, que “a forma tipográfica do versículo serve para anunciar ao leitor [que] a emoção poética...”, podemos dizer, então, que essa emoção, supondo que seja “sentida” pelo leitor (crédulo?), se produz a partir de uma convenção ou de um símbolo arbitrário, isto é, o poema enquanto “forma tipográfica”, que resultaria numa espécie de sineta pavloviana condicionando o apetite do leitor para algo com o qual ele, de antemão, já sente uma necessária propensão a emocionar-se. Por fim, o leitor agradece ao poema por este não lhe ter ministrado nada além do que ele aprendera a precisar. Diante de um poema ou de sua mancha gráfica na página, e, diga-se de passagem, mesmo a uma distância improvável a qualquer leitura, mesmo assim, o leitor teria a garantia de sua satisfação; diria: “emoção à vista!” O poema se apresentaria, para usar um conceito da semiótica, como um índice; um “sinal de fumaça” indicando o fogo da emoção com a qual o leitor se depararia, sem dúvida, logo depois da próxima curva. Mas, um poema deveria ser uma terra de ninguém. Um lugar nunca conquistado.

Aquele “simulacro tipográfico” que era o verso, agora pode ser descrito como um simulacro de emoção. A idéia de que tal simulacro anuncia/antecipa ao leitor a emoção que ele “naturalmente” encontrará durante a leitura, conforma a forma (que deveria ser fugidia) do poema, antes de qualquer coisa, como uma chave léxica (key lexical) de uma experiência sensório-emotiva não mais irredutível apenas a esse leitor. Pois como a emoção, no final das contas, se torna um clichê, isto é, uma reação causal a um comando de condicionamento, evento medíocre, porque produto de uma convenção, todos estão aptos a compartilhar esta emoção, por assim dizer, automática. A telenovela é, em outro âmbito, o melhor exemplo de um “simulacro audiovisual da sentimentalidade” que anuncia ao telespectador - enquanto o adestra para - emoções certas e imperdíveis. Satisfação garantida.

A questão fundamental parece ser a seguinte, o sentimento tem que se resolver em forma; signo estético. Tudo acaba num livro segundo Mallarmé. O poema não é um receptáculo neutro onde se derrama a emoção. Não há, a rigor, emoção nenhuma num poema. E a contribuição do leitor, neste caso, é decisiva. A emoção é um evento que se localiza aquém ou além do poema. O que se tenta no poema é fazer uma alusão à emoção, convertê-la em figura, imagem. Um lembrete do poeta T. S. Eliot: “a poesia não é um perder-se na emoção, mas um escapar da emoção; não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade”, mas Eliot acrescenta em seguida e rapidamente: “porém, de fato, só aqueles que têm personalidade e emoção sabem o que significa querer escapar dessas coisas”.

A propósito de assunto semelhante, José Paulo Paes escreve: “... uma confusão entre o imaginário e o real. Pelo simples fato de ser uma representação da vida, a literatura não se confunde absolutamente com esta nem lhe pode fazer as vezes. Trata-se, antes, de um prolongamento, de um complemento dela, mesmo porque já se disse que a arte existe porque a vida não basta”. Escrever/ler não substitui o viver. O poema, por meio do ritmo e da linguagem onde também o silêncio participa como informação estética, nos dá rastros, restos, enfim, memórias imprecisas de eventos sensório-emotivos. Recordação na tranqüilidade daquilo que nos intranqüilizou, seja com sua beleza, seja com sua injúria.

18/03/2008

Compartilhe

 

Comentários:

Envie seu comentário

Preencha os campos abaixo.

Nome :
E-mail :
Cidade/UF:
Mensagem:
Verificação: Repita os caracteres "450212" no campo ao lado.
 
  

 

  Ronald Augusto

Ronald Augusto nasceu em 1961 no estado do Rio Grande do Sul. O escritor atua em inúmeras áreas: é músico, letrista, ensaísta e possui ainda um trabalho significativo no âmbito da literatura. Como poeta alcançou expressividade no cenário nacional e até mesmo mundial, de tal forma que suas produções foram publicados em revistas literárias, bem como em antologias, dentre elas destacamos: A razão da Chama, organizada por Oswaldo de Camargo (1986), a revista americana Callaloo: African Brasilian Literature: a special issue EUA (1995), a revista alemã Dichtungsring Zeitschrift für Literatur, e outras.

dacostara@hotmail.com
www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com
twitter.com/ronaldpoesiapau


Colunas de Ronald Augusto:


Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.


Copyright © msmidia.com






Confira nosso canal no


Vídeos em destaque

Carreira de Escritor

Escrevendo para redes sociais


Cursos de Escrita

Cursos de Escrita

Curso Online de
Formação de Escritores

Curso inédito e exclusivo para todo o Brasil, com aulas online semanais AO VIVO

Mais informações


Cursos de Escrita

Oficinas de escrita online

Os cursos online da Metamorfose Cursos aliam a flexibilidade de um curso online, que você faz no seu tempo, onde e quando puder, com a presença ativa do professor.

Mais informações